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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

sentados por todos os lados


Uma publicação recente, deveras interessante, da Márcia Tiburi, na Revista Cult, me instigou a trazê-la às divagações da ‘Louca da Casa’. Em suma, ela aponta o ato de sentar como forte fator  cultural de nossos tempos. Causa e consequência dinâmica de várias nuances desta supermodernidade que vivemos.  E a revolução digital, entre outros fatores, ela sugere, foi forte aceleradora neste nosso processo de sedentarismo (versus o nomadismo histórico que nos impulsionou, a princípio) nos caracterizando e nomeando de acordo esta  nova face de nossa cultura: ‘homo sedens’.

Nossa era e nossos hábitos constituem um incentivo do ‘pensamento sentado’ em um decréscimo da mobilidade do corpo versus o trabalho dos olhos, em um processo de hiperatividade visual, em que não se consegue assimilar ou processar nada. Vivemos por um lado, o elogio da disciplina, e, por outro, um cenário de superabundância de informação que “de tanta árvore já não se consegue mais ver o bosque”.

O Sedentarismo caracteriza, assim, nosso tempo presente. Sentamo-nos diante de máquinas e telas, sobretudo. Não diante de telas de pinturas, em um ato contemplativo. Não. Telas de computador, laptops, PCs, celulares, smartphones, seja qual for a nomenclatura desse mundo de  aparatos tecnológicos que nos muniram de uma ‘self mídia full time’. Sentados, cedemos lugar à mobilidade  incorporal dá máquina e esperamos que ela nos carregue mundo afora.

Estamos em todos os lugares do planeta e em lugar nenhum, todo o tempo. Uma extensão clara do ‘não-lugar’ de Marc Augé. Os espaços públicos de grande circulação, lugares de passagem, neste caso, tornam-se virtuais: um espaço de comunicação onde ‘não estou lá’. Espaços de circulação das ideias ou das ‘ausências’, que se tornam, dia após dia, marcos de nossa presença.

Para quem quiser continuar o exercício  sentado, segue o texto original:

domingo, 15 de dezembro de 2013

Tom Zé em reinvenção exponencial


Representando a si mesmo, carregado de auto ironia, ele, como sempre,  faz rir e continua surpreendendo.

Em apresentação no projeto ‘Álbum’ do SESC, que resgata títulos expressivos da discografia da música brasileira, Tom Zé comemora 40 anos de ‘Todos os Olhos’, grande disco do ícone tropicalista. No palco, o músico remonta o repertório do álbum, reencenando, por vezes, o show de lançamento, eterno personagem de si.

“Uma música bem situada naqueles ‘anos’”, ele nos introduz, já começando o show carregado de um tom lúdico e uma auto ironia que ele traria consigo noite adentro. A brincadeira era com a capa do álbum, fonte de polêmica à época; um olho que seria, inicialmente, uma bola de gude encaixada em um ânus.

Suas contextualizações dramatizadas, remontando o período de lançamento eram tão mergulhadas em brincadeiras carregadas de nonsense que nos levavam muitas vezes a questionar  a sanidade daqueles no palco, do personagem e do autor. Mas no instante seguinte, ele dá provas de sua autoironia e uma crítica velada-explícita (se isto é possível).

A certa altura, em uma equação exponencial com os (seus) outros músicos, ele faz jingle de si, de sua carreira e seus álbuns históricos. Jingle em inglês, em referência ao momento em que ‘Tom Zi’ ficou conhecido e ganhou respaldo internacional.


Experimentações, misturas, novos ritmos, encenações de si mesmo.Tom Zé se inventa e se diverte no palco e nos diverte a todos na sequência e mostrando o resultado de sua inventividade fora dos padrões, com canções pinçadas de uma época e de um álbum expressivos de nossa história.

domingo, 8 de dezembro de 2013

adoravelmente desconcertante


“Ninguém é sério aos 17 anos”. A frase de Rimbaud parece, de alguma forma, querer se fazer legenda de ‘Jovem e Bela’, o recente filme de François Ozon. Ou da jovem e ‘Belle’, protagonista.

Estudante de letras em Sorbonne, universidade francesa, em confortável condição social, Isabelle nos leva, por passeios em casa e na faculdade,  a conhecer pedaços de sua vida. E é em uma sua aula, em um jogo pedagógico entre citações e trechos de vários autores, que um de seus colegas nos traz Rimbaud.  E a frase parece querer se encaixar à sua história, que corre paralela às aulas.

A beletrista, em seus  17 anos, perde a virgindade em uma transa-trama ‘sem sal’  e parece ganhar ali um interesse particular na urdidura daquelas situações. Ela começa, a partir daí, a se prostituir. Não pelo dinheiro, não pelo prazer, não por qualquer enfrentamento moral.  O  que nos parece, inicialmente, contorno extremo de uma irresponsabilidade típica da idade, vai ganhando outras cores. Ela insinua e nos dá a perceber,  um prazer pelas regras do jogo, pelas articulações que se estabelecem antes.

Sem se perder em qualquer justificativa moral, François Ozon nos coloca frente a frente com Isabelle e suas sem-razões de ser, muito segura de si e delas, ‘das sem-razão’. Quem precisa explicar o que? E a quem?  A verossimilhança, por vezes nos desconcerta.

Assim, vamos vivendo, ao longo do filme, dos fatos e mudanças, as quatro estações da protagonista que, entre experiências e ocorrências, vai crescendo em suas certezas, jovem e bela. A dona da história transforma um rito de passagem em um jogo na (ou da ) vida. Um filme instigante pela ordem do questionamento que coloca, nos desconcertando em nossas certezas morais.

Observação final: a trilha sonora, bem encaixada, merece nota.

domingo, 1 de dezembro de 2013

pintaram tudo de cinza


O critério é a arte. Só permanecem nos muros da cidade, grafites assim considerados. E quem os classifica, dentro ou fora deste universo, são os funcionários contratados  para a remoção de pichações dentro da Lei Cidade Limpa, da gestão Kassab.  Tanto quanto no Rio do Profeta Gentileza, anos atrás, “só ficou no muro tristeza e tinta fresca”. “Apagamos o que é feio, o que não é arte”, nos confidencia um dos encarregados de pintar tudo de cinza.

Começando com um belo plano aéreo desta selva de pedra chamada São Paulo,  ‘Cidade Cinza’, documentário de Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo, nos insere no universo do grafite da capital do estado.  E vamos nos familiarizando mais e mais com o tema, e todas as nuances do debate que ele hoje provoca, através da amplitude dos muitos e significativos depoimentos colhidos.

Muitos grafiteiros conhecidos e reconhecidos, internacionalmente, até, estão ali, munidos de suas opiniões alem de seus sprays e suas cores. OsGemeos, liderando o grupo que conta ainda com Nina, Nunca, Finok, Ise, Espeto e outros, dividem espaço com críticos e curadores de arte, com a equipe contratada do ‘Projeto Cidade Limpa’ e outros personagens desta mesma história  nos colocando seu questionamento das dimensões, contornos e limites a arte urbana, forte componente do caos que tão bem caracteriza São Paulo.

O ‘doc’ parte do episódio de apagamento do grande e conhecido (e mesmo reconhecido) painel ao lado do minhocão, obra d’Os Gêmeos em um momento, para azar da prefeitura, que eles começavam a embarcar em uma carreira (via reconhecimento) internacional, convidados a expor sua arte de rua em um dos maiores e mais prestigiados museus de Londres, o Tate Modern. Diante da má repercussão, Kassab convidou OsGêmeos a refazerem seu trabalho no mesmo local.

Com o amplo espectro de depoimentos significativos ao tema; uma trilha sonora de raiz no hip hop, (muito bem) embalada pela música de Criolo e Daniel Ganjaman, que, além de gostosa, adequada ao tema urbano; uma boa e interessante montagem das cores nas e das ruas de São Paulo; com todas estas boas qualidades, o Doc ainda bem discute os limites da necessidade de expressão individual e as restrições (e os porquês) na apropriação do espaço público.

O grafite é defendido por eles, os autores, como uma arte que dialoga com quem passa. “Por isto eu pergunto, a você no mundo, se é mais inteligente, livro ou sabedoria?”