O contágio brutal e incessante da humanidade pelo Coronavírus, nos jogou em uma encruzilhada, quase sem saída. De adaptação ou adaptação.
Como se relacionar, como crescer e procriar, como
conviver, com o distanciamento; ou pior, o isolamento, como fio condutor das
relações da humanidade sobrevivente? Pois, vamos nos adaptando.
Sim, temos conseguido sobreviver à COVID 19 e suas
mazelas respiratórias, mas a duríssimas penas, com restrições muito severas,
que nos impõem um distanciamento que contraria, portanto, nossa continuidade,
via reprodução.
O vírus, em seus reiterados ciclos, aprendemos com o
tempo, sobrevive em cima de mutações intermináveis, com o surgimento e
alastramento de novas cepas. E aí, quando nos iludíamos com um contágio em vias
de moderação, nova variação ribonucleica do ‘monstro’ nos trancava de novo e de
novo e de novo. Iludíamos, porque depois de tantos anos nos distanciando, não
nos iludimos mais e aprendemos que não podemos sair de nosso círculo, feito
casulo. Demorou, mas quando conseguimos nos condicionar assim, a mortalidade
despencou, em todo o globo.
Seguimos, mundo inteiro, em grandes cidades, grandes
metrópoles, mas acondicionados em nosso casulo familiar ou de convivência,
milhares de comunidades autônomas formando cada sítio, de qualquer esfera
urbana. Serviços remotos e sistemas delivery, que já eram uma reflexo indireto
da era digital, proliferaram exponencialmente, naturalizando-se (e isolando-nos)
em todo o globo.
Ainda acontecem desvios da curva, aqui e ali,
humanos que somos, seres relacionais na essência. Ou também algum meio
improvável de contágio que ocorre de ‘repentemente’ e se dissemina na
velocidade da luz.
Diante de tantas mudanças tecnológicas e biológicas,
através do tempo e através desta pandemia, Darwin se mostra mais atual que
nunca. Adaptar para sobreviver fez-se lema, nosso, mas também do vírus. Mutante
em sua essência, o Coronavírus segue se reconstruindo, RNA a RNA, de modo a desviar
de nossa prevenção e seguir nos contagiando, seres hospedeiros.
E nós seguimos nos adaptando, distantes, mas próximos, comportamentos e costumes desconstruídos na essência e reconstruídos em cima de valores avessos à nossa humanidade. Tão longe, tão perto, ‘vida remota’, a todo vapor.
A esta altura do campeonato, corona game em campo
por 15 anos, muitas variantes e cepas depois, a transmissibilidade tornou-se campo
de extermínio.
No início, pensou-se em estabelecer punições para
quem furasse as regras do jogo de isolamento, mas a pouca sobrevivência destes
seres nos fez olhar para eles como fundamento de estudos de perfis, DNAs, tipo
sanguíneo ou o que quer que seja que faça alguns mais imunes que outros. E esta
foi a punição imposta.
Nossa adaptação tornou-se mote de estudos, em novas
tentativas, reiteradas e cíclicas. O intercâmbio entre grupos conviventes se
restringiu ao mínimo também ou quase se extinguiu. A máscara se tornou parte de
nós a ponto de não nos conhecermos mais, sem ela. E não temos ocasião de nos
vermos assim.
Não almoçamos juntos, não dormimos juntos, nem
usamos o mesmo banheiro. Uma casa de 4 quartos tem 4 banheiros e o álcool, ah,
este se tornou acessório essencial, item indispensável, a qualquer dia,
qualquer hora, com qualquer um.
As populações mais carentes do mundo inteiro, sempre
vítimas inevitáveis de qualquer cepa de acaso, viveram um processo de quase
extermínio, uma vez que o isolamento e as restrições sanitárias se faziam luxo
em seu campo. Mas aqui também, adaptar para sobreviver, e encontrou-se um jeito
de lidar cotidianamente com as faltas, de modo a não fazê-las o tal campo de
extermínio.
Nossa procriação, investindo na continuidade da
espécie, até que (UM DIA) derrotemos este vírus, em todas as suas possíveis
cepas, restringiu-se ao modo IN VITRO e as relações e trocas afetivas ao modo
virtual ou remoto. As relações nunca foram tão íntimas, e a um só tempo,
públicas, porque em rede.
O que você quer fazer, tem que falar, tem que
escrever, para o outro sentir e dar o troco, na mesma moeda, fala ou escrita.
As ações, por outro lado, nunca foram tão unilaterais. A masturbação ganhou
posições e acessórios como nunca por ser a única opção relacional analógica, de
todos, para todos.
Redes sociais de todas cores e todos os tipos,
variando por sexualidade, idade, língua, preferências sexuais, por geografia, por campo
de interesse absorvem nossas relações, sem, no entanto, esgotá-las. Não se
bastam, não nos bastam. Há sempre alguma coisa ausente.
Nos relacionamos virtual e remotamente, tanto no
ofício quanto na amizade, familiaridade ou intimidade e procriamos,
continuamos, IN VITRO. É a solidão buscando a solitude, sem alcançar, no
entanto, porque humanos, demasiado humanos.
Nosso futuro, este está na adaptação completa da
humanidade, vivendo-o inteiro na individualidade ou na derrota este vírus
anti-social e egoísta.
Cena e horizonte inóspitos, fica uma frase: “Vida
que te quero viva.” A saída deste imbróglio, vivos, um dia a gente acha!