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domingo, 30 de março de 2014

fantoches de si


O proclamado sentido da vida e a grande beleza, que o alimenta, já andaram dando pistas, os dois, que não são da ordem do exponencial.  O encanto e ‘esta tal felicidade’ seriam, no mais das vezes, algo budistas, se enredando mais pelo simples, natural e até quotidiano.

É a busca e a justificativa principal do protagonista em cena.  Jep Gambardella é o escritor de um único livro, sucesso extremo, de público e crítica. Rico, bem sucedido, irônico e ácido, Jep mergulha em desenfreado hedonismo no encalço de uma ‘grande beleza’, mote de um próximo e esperado best seller.

Estamos em Roma e os ricos, excêntricos,  companheiros de Jep em sua incansável busca de prazer, são impiedosamente retratados como cascas vazias se pretendendo, buscando sempre a autopromoção.  São como fantoches, fazendo vitrine de si, de suas aspirações e pretensões, tão vazias quanto suas vidas. Uma fauna sempre atenta ao seu desempenho em cada ato.

Flashes em muitas festas em boates, muita bebida, muito sexo e muito pó, purpurina e pirlimpimpim. Orgias, bacanais e um consumismo desenfreado.  Tudo muito e tudo sem motivo ou razão de ser.

O conceito de arte é central em “A Grande Beleza”. Às vezes hiperbólico ou ridículo e muitas outras cômico. A expressão artística como extração d’alguma beleza de um caos interior torna hilárias performances de alguns personagens. Acrobacias intelectuais em tentativas obstinadas de expressar inquietação, desaguando no ridículo.

Com o andar do roteiro, a falta de significados ganha destaque.  Pessoas ostensivamente mais interessadas em uma aparência de cultura e inteligência. Alguns pequenos e poucos cortes para belezas outras, de tom simples e leve, fazem  todos os excessos gritarem.

Em um filme de conteúdo forte, ácido, de fotografia marcante, Paolo Sorrentino nos brinda, a um só tempo, com inquietude e beleza. 

domingo, 23 de março de 2014

amor digital


Que extensão estamos dando, ou permitindo, à  esfera digital em nossas vidas, em nossa história?  É uma pergunta que o novo filme do diretor Spike Jonze, ‘Ela’,  deixa no ar. A despeito do argumento peculiar, a estória é verossímil  e nos parece possível, em um mundo em que aplicativos e redes sociais compõem nosso digital way of life.

O filme nos apresenta Theodore, (muito bem) vivido por Joaquin Phoenix, que trabalha em um site que oferece cartas manuscritas a outras pessoas; assim bem introduz o contexto do filme, o domínio de softwares e aplicativos em um mundo de dimensão cada dia mais digital.

Vivendo uma crise após a separação de sua esposa, Theodore  decide adquirir um aplicativo que promete proporcionar momentos reais de interação. O sistema operacional consciente (OS – de operational system), melhor dizendo, a consciência operacional, chama-se Samantha e, vivido por Scarlett Johansson, passa a acompanhá-lo diariamente, full time.  E eles se envolvem.

Samantha é um aplicativo com vontade própria, melhor,  programado para tal. E vivendo até mesmo crises existenciais, ela consegue não soar ficção científica em momento algum.  Merece parêntese a interpretação de Johansson.  Somente através da voz, ela convence Theodore  ( e nos carrega junto) de uma paixão absoluta e de uma vontade própria. Programada para ser perfeita cópia da consciência humana, a OS Samantha nos convence de seu amor.

Apesar  de bem colocar o debate sobre a digitalização em nossas vidas, melhor, DE nossas vidas, em todos os sentidos, no centro do trama, o filme destaca, sobretudo, nossa condição humana, ao fazer do amor, da paixão e muitas de suas nuances fatores condicionantes do argumento.

Tendo a tecnologia como fio condutor, a estória explora, de maneira original, as muitas particularidades de um relacionamento. Todas as dimensões, extrapolando a física, bem expostas e levantadas, engrossam a pergunta levantada por eles, a certa altura do filme: O que é uma relação real? Não se resume ao sentimento?

Não. Semanticamente, não se resume. Se amplia e se confirma no sentimento. E é o filme mesmo que se propõe a nos trazer e nos mostrar a força desta dimensão, explorando outras, adiante da física, ao sabor do pensamento e da imaginação, do sentimento, enfim.

No mundo aqui retratado por Jonze, temos dispositivos adaptados, adequados a toda e qualquer necessidade, via sedutores aplicativos.  No mundo de Jonze, e no nosso, estamos sempre conectados. Sozinhos ou em grupos, em casa ou na rua; permanentemente dentro de nossas self mídias. Desaprendendo, às vezes, a viver a vida como ela é, sem a ajuda do mundo digital, tão à nossa espreita.

Destaque para a direção de arte, tão identitária na filmografia de Jonze. Li, em algum canto, uma análise definindo a estética daquele mundo cibernético como ‘design Tok & Stok’. E enxerguei. E concordei.

Forte indicador do tempo que vivemos, a suposta ficção científica apresentada por Jonze nos parece absolutamente factível. 

domingo, 16 de março de 2014

agora, já passou... agora, sempre


Ouvindo e lendo uma música, um trecho, agora, já passou. E ouvindo e lendo e absorvendo e conectando a um  meu momento, vejo o tamanho da verdade ali inscrita e como ela pode refletir em nossa vida. Ou como podemos ler ao nosso gosto, revertendo, de alguma forma,  esta lei inexorável do tempo: a instantaneidade, efemeridade  certa e irrevogável dos momentos. 

Mas vejo também, como podemos trazer um olhar carregado de histórias para estes ditos momentos, dando-lhes muitos e outros  significados. Para eles, de dentro deles, uma leitura pessoal de nossos dias.  E aí, o que fica não é o desenlace de ontem, é uma vida de construções, interseções e aprendizado comum.

Agora, já acabou, mas o sentimento permanece. O que sentimos ou o que construímos a partir do agora, permanece. E assim, seguimos estruturando nosso castelo de vida.

O agora se vai. Antes que terminemos a pronúncia da palavra, se vai, se foi. Mas o que criamos ou planejamos ou concretizamos,  a partir daquele instante,  nos faz maiores e nos transforma. Compõe nossa receita para os dias por vir.

O agora se foi, mas ficaram as lembranças, o aprendizado, o carinho, o crescimento. O agora se foi, mas o ontem permanece dentro de nós e compõe um nosso amanhã, ademais de nosso olhar. Alicerça nossas razões, nossas vontades e escolhas.  O ontem, o que ficou em nós de tudo que se viu, se viveu, se aprendeu e se relacionou, fará sempre parte de nosso quebra cabeças de vida.

Agora, que já passou, as lembranças fazem o caminho da falta. Agora, sempre, as lembranças se costuram em conforto.

Os que passam por nós, os que fazem parte de momentos de nossa vida, de nossa história, ficam eternos dentro de nós. E assim permanecem.

domingo, 9 de março de 2014

tudo é jazz


Aqui , conjuga-se tambores e metais  através da união do universo percussivo baiano  com tradicionais e fortes sopros;  música de origem afro e jazz.  ‘Orkestrados’, os músicos baianos da Rumpilezz  prometem mostrar as relações de suas "raízes musicais ancestrais".

Neste show aprendi que o nome do grupo é um termo original grego; "Rumpilezz" é inspirado no trio de atabaques presentes no candomblé (rum, rumpi e le), sendo que os dois Z finais são, junto à sonoridade produzida e ao improviso ali presente, uma dica do fio condutor, o jazz.

O que já era, de início, um projeto maiúsculo; o grupo baiano Orkestra Rumpilezz, comandado por Letieres Leite combinado à sonoridade das big bands jazzistas, ganha mais corpo e significado, agregando as misturas tropicalistas de Gil. E assim, cresceu ainda mais a nossos olhos e ouvidos, pela dimensão da conexão que ali se estabeleceu.

Letieres nos conta, show adentro, que a ‘Orkestra’ prima pela visita a compositores que carreguem alguma ligação com o universo afrobrasileiro em sua obra. E assim justifica e potencializa o significado daquele encontro.

E Gil surpreendeu, em seu repertório e nos arranjos de tom afrobaiano. Empolgado, nos conduzia em meio a seus  vocalise, melodias vocais sem palavras, tradicionalmente presentes em suas apresentações, aqui em tom afro e em suas danças.

Era visível em Letieres, um êxtase em conduzir e fazer parte daquela combinação criativa e complexa. Orquestrando e tocando, a um só tempo, ele nos leva consigo. Uma sua coreografia coordenava as trocas entre metais e a tambores,  visitando compositores que em sua obra contemplem a conexão com o universo da música afrobrasileira.  Muito saboroso observar o trabalho do maestro sobre substrato tão rico; forte e jazzy. Pura e enérgica expressão da cultura nacional, da mistura que ela representa.

Ele nos conta, a certa altura, que Gilberto Gil sempre foi uma primeira escolha neste sentido, não só pelo fato de sua obra reverenciar diversos toques do universo da música ancestral afrobaiana, mas também pela forma apurada e meticulosa que ele se utiliza de harmonias e construções melódicas complexas. E, assim, seguia comandando uma resposta dos tambores ao vocalise de tom afro do tropicalista. A reverência recíproca é visível.

Gil, em seu tom tropicalista fecha com “O melhor lugar do mundo é aqui, e agora…”. E nós fazemos coro.

domingo, 2 de março de 2014

fantasia de carnaval



Porque hoje é dia de carnaval. E amanhã e depois e depois… Enfim, um sem fim de dias festivos, que, quando a gente fica chato e sem humor, torna-se fruto de questionamento.  

No entanto,  é carnaval e, ainda que sem o ‘mood’ adequado, resolvi integrar a turba e me fantasiar e brincar e pular.

Mas não tenho fantasias e não queria e não quero e não vou comprar. Quando eu morava em Minas, desfilava em escola de samba, era rainha da avenida :) e tinha muitas fantasias comigo, em casa. Mas não nos dias São Paulo de hoje.

Me lembrei, então, que toda vez  que viajo para Minas e para Nova Era, o senhor Paulo Eustáquio, em suas eternas brincadeiras, pratica bastante uma sua modalidade de booling, falando de meus trajes. São todos esquisitos, roupas de velho, não combinam ou parecem fantasias. E aí entrou minha ideia de carnaval.  Tenho um ‘traje’ específico que, para ele, é fantasia de Minnie.  “ – Poliana, esta sua roupa parece traje infantil, criança fantasiada de Minnie, dos desenhos animados. Vai trocar isto.”

Lembrei disto e resolvi ser a Minnie de fato. Teodoro afora, encontrei as orelhinhas que me faltavam. E aí foram a saia, as orelhas, uma maquiagenzinha me fazendo menininha e minhas tradicionais sapatilhas. Pronto! Estava pronta, mas queria saber se estava Minnie.

Fomos para a Benedito Calixto, ponto final de nosso bloco e, por coincidência, ponto de aquisição de minha porção Minnie, a saia.  Lá, andando de um lado para outro, no ritmo do bloco, ao som de marchinhas, passamos em meio a uma turma de casais, alguns com filhos, crianças. E aí, fui reconhecida por uma garotinha em seus três anos, or so:

-Mãe, olha ali, é a Minnie!

E aí, tirei meu humor do avesso, fui Minnie como poucas e fiz meu carnaval!!!