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domingo, 26 de janeiro de 2014

fronteiras do afeto



Sempre que fico frágil, triste, preocupada, tensa, ou qualquer outro adjetivo designando estados de espírito de alguma forma negativos, tenho saudades dos contornos afetivos das fronteiras de Minas.

São Paulo é muito prática, rápida, eficiente, impessoal, sobretudo.

Não que eu não tenha bons amigos na banda de lá (SP) que possam, de alguma forma, me trazer alívio ou descanso para um cenho franzido, uma preocupação duradoura ou uma tristeza eventual. Tenho. Muito bons amigos, destes que a gente elege melhores.

Mas em Minas não precisa ser amigo para te oferecer o ombro , te perceber triste e querer virar o jogo, tentando, portanto, te fazer sorrir. A todo custo.  Ali, até o gerente de contas a pagar da empresa que você trabalha te percebe assim e te  faz sorrir, rir, te estimula, faz gracinha. Todos os olhares são familiares. Por traz de uma mão estendida, a compreensão, por traz de um sorriso, a graça.

Já em terras paulistanas (e paulistas, provavelmente), a impessoalidade é anfitriã. Ali, pessoal é sinônimo de particular e, assim, não é da conta de ninguém.  Até por respeito, se desenham limites temáticos das intimidades. Uma cartografia da alma humana determinando onde se pisa e onde se ignora.

Concordo que é sim, pessoal, mas pode não ser particular se não dermos, cada um de nós, esta fronteira.

Pois… fiquei muito 'assim' na semana passada e tive que vir para MG para recarregar baterias. Meu mundo  pessoal (não particular), o do coração, aqui colorido com tons de afeto, posso voltar para meu vasto mundo SP e colorir meus dias com as cores da cultura que este lado da fronteira concentra.

domingo, 19 de janeiro de 2014

disfunção erótica

A personagem Joe, jovem (Stacy Martin)

O sexo insaciavelmente performado e uma consequente mecanicidade do ato é um dos ângulos dados por Lars Von Trier à ninfomania, enquanto disfunção. Não há conquista, não há desejo, não há tesão. Todos os nossos paradigmas românticos cercando qualquer ato sexual, mesmo aqueles mais pervertidos, são desmontados.

‘Ninfomaníaca’,  Volume 1, é um bom filme, ainda que provocativo e indigesto, assinatura do diretor.  É um filme incompleto, no entanto, porque dividido em dois. É meio filme, de um corte supostamente censurado do original.

Dizem as ‘más línguas’ que, a certa altura, Lars deixou claro que seu filho (ops, seu filme) ultrapassaria as cinco horas de duração. Os produtores associados mundo afora  questionaram a possibilidade de colocar isto tudo tanto (no conteúdo  e na duração) em uma sessão regular. Colocaram, assim, duas condições:  dividir o material em duas partes, duas sessões, portanto; e retirar “o excesso de pornografia” existente na obra.

No filme, Joe (Charlotte Gainsbourg) é encontrada na rua, cheia de hematomas, desacordada e ferida, por Seligman. E ela começa a  contar a ele, exaustivamente, suas aventuras sexuais, sob o peso de uma grande culpa. Contando a seu interlocutor, eleito confidente e a nós, portanto, ela adverte: a história vai ser longa e com cunho moral.

Seligman nos  oferece aí um contraponto. Um  intelectual solitário, não a julga em momento algum. Apaixonado por pesca, traça paralelos entre as artimanhas para atrair peixes e as técnicas usadas por Joe para seduzir os machos que vai abatendo pelo caminho e segue, ao longo da trama, fazendo referências a Edgar Alan Poe, Thomas Mann, à bíblia, à matemática, à música clássica, diante do relato picante e melancólico de sua confidente. São pílulas de uma cultura erudita ao longo de trama ácida.

Joe nos dá detalhes de uma sua incansável busca de sentido. Do corpo, do desejo e da vida, por fim. Neste ponto, Uma Thurman, em participação carregada de ironia, nos dá possível chave. Para ela, a ninfomania é uma insensibilidade.

A personagem parece livrar-se de um mal, a virgindade. Esse e outros  episódios sexuais são narrados em flashback para Seligman, em uma dimensão indigesta do vício. Vemos  a Joe adulta contando suas desventuras, carregando uma culpa e vemos também a Joe jovem (Stacy Martin) e inconsequente no furor de sua insaciável busca.  Mas o que levou a Stacy a Charlotte é algo que só nos dirá o volume 2.

A genialidade de Trier nos vem nas entrelinhas. O humor afiado nos diálogos, apesar da trama amarga. Acompanhamos a vida sexual de Joe, da infância à velhice (somadas parte I e II, dizem), com direito a cenas de sexo reais e nudez frontal; algumas explícitas, incluindo-se cenas de penetração. Mas esta avalanche seria, apenas, um meio. A insaciável busca de Joe por sensações, por sentir algo, seja lá o que for.

Está todo mundo cheio de tesão para assistir ao pornô-cabeça do controverso diretor dinamarquês, mas Ninfomaníaca é a antítese da excitação erótica.

Ninfomaníaca – Volume 1 marca pela ousadia ao explorar um tema tabu, ao trazer análise emocional sobre algo que poderia facilmente ser banalizado, ao fazer graça e ironizar em momentos surpreendentes, ao causar absoluto desconforto nos telespectadores em suas poltronas. Mas, ao final, créditos subindo e fica em nós, além de algum mal estar, um questionamento: até que ponto a vontade de chocar não é um fim em si mesmo? Trata-se de um filme ambicioso que deixa uma expectativa enorme para o que vem a seguir mas absolutamente indigesto, por vezes.

domingo, 12 de janeiro de 2014

no balanço do mar


Canções parte de nosso imaginário e já parte de um nosso cancioneiro popular. Dorival, o mar e seu fascínio. As canções nos embalavam oceano afora, na cadência de suas ondas.

Dorival Caymmi, um pedaço musical de nossa identidade brasileira, estava ali conosco, na voz e nos instrumentos dos filhos. E na cadência, tão nossa, tão reconhecível e identificável.

Em show que nasceu clássico, os filhos, Dori, Danilo e Nana, celebram os 100 anos que o pai, falecido em 2008, faria em 2014. O repertório do show nos trouxe um novo olhar sobre suas canções, velhas conhecidas dos brasileiros que somos e ainda algum repertório desconhecido (pode?).

O teatro do SESC Pompéia, tomado  de todos os lados por aquela cadência,  derramava emoção. Os primeiros acordes já nos embalaram o coração, n’um bálsamo. Emoção inteira. Aquelas vozes, bem como suas músicas, todas tão fortes em uma nossa identidade; musical-brasileira, há que frisar.

Merece nota o humor do pessoal ‘do azeite’, maneira como eles se definiram enquanto parte de um sincretismo baiano, centrado em Iemanjá. Pontuando o show  com brincadeiras com o público ou os músicos que os acompanhavam,  os irmãos somavam graça ao que já derramava beleza.

Merece várias notas o momento em que Dori, se definindo fã e seguidor de João Gilberto, nos apresenta ‘O que é que a Baiana tem’ com sofisticados arranjos‘gilbertianos’.

Me alojei  dentro de mim, com a alma em convulsão. É tudo tão parte do que somos. Ao final, minha jangada, emocionada, saiu para o mar.

domingo, 5 de janeiro de 2014

ética do afeto


Um filme terno, principalmente pelas interpretações das crianças, tão carregadas em uma naturalidade infantil e questionadora. Apesar da delicadeza da trama, a todo momento me pegava sorrindo para a tela. Keita, uma das crianças, já entra em cena conquistando com sua prosa infantil articulada.

O filme, Pais e Filhos, do diretor japonês Hirazaku Kore-eda,  trata de um caso de troca de bebês na maternidade que chega a conhecimento dos pais, dos dois lados, quando as crianças têm, já, seis anos. Com todas as questões emocionais envolvidas e a fragilidade da trama, o pano de fundo, o âmago da sociedade japonesa em sua rigidez moral e austeridade dá  fortes cores ao cenário.

O pai de Keita  exibe uma moral dominada pela ética do mundo do trabalho, centrada em eficiência. É  um workholic, capitalista e japonês, dois fortes agravantes. E  foca sua relação com o filho em uma espécie de treinamento, e assim, não se reconhece ou não se identifica nele, o acha pouco competitivo. A rigidez comportamental e moral da sociedade japonesa ficam ainda mais claras, por paradoxo, através da figura do outro pai, lúdico e brincalhão, fazendo o contraponto, em personagem que concentra características avessas ao estereótipo japonês.

O pai de Keita nos revela sua insatisfação e a ‘não identidade’ com o filho, quando da descoberta da troca dos bebês: “Agora tudo está explicado”, ele diz, nos fazendo cúmplices em seu inadequado papel, o pai de Keita.

Desfazer a troca é um caminho aconselhado pelos médicos. E o significado deste desfazer  nos coloca em forte dúvida do certo ou errado, neste caso. Uma vida inteira (mesmo que ainda curta) compartilhada. A questão que fica, eloquente, é o significado da paternidade e maternidade quando não um processo de vida comum, crescimento, afeto que nasce da convivência. Os limites e as fronteiras da força dos laços sanguíneos  versus  laços nascidos e criados na convivência.

Com diálogos tocantes e cenas reveladoras de um afeto construído e conquistado cotidianamente, o filme nos inquieta em seu questionamento. 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

balanço final


Virginiana – agnóstica profunda   +  arteira + pessoas2 + poliana  =  pontos de exclamação (muitos!!!).

Taí uma minha fórmula, legenda de meus dias.

É que fiquei,  este fim de ano, pensando em  algo que me questionam sempre, todos ao meu redor, em balanço de fim de termo.   Minha receita (sou boa nisso, hein?!?) de superação, equação de um permanente bom humor depois de tudo. Abre parêntese,  depois de tudo equivale a depois do acidente, fecha parêntese. Assim, estas palavras vão se revelando um outro texto tirado de minhas historietas de recuperação, uma espécie de catarse pessoal,  em oportuno balanço de fim de ano, desaguando em fórmula.

Vamos à receita: pega uma moça que, em outro parêntese inicial, não acredita em nada do que não tenha os dois pezinhos fincados no chão. Religiões, lendas, mitos, horóscopo, whatever. Pega esta moça e soma o fato de, por aparente paradoxo, mas pura coincidência, ser absolutamente virginiana e mistura ainda a uma paixão sinestésica (pode?) por arte e  a um investimento de vida em pessoas. Pega tudo junto e misturado e soma a um último fato definidor de toda a epopeia: a poliana dentro dela.  Pobres das equações de primeiro e segundo grau perto desta complexidade desmedida. Começa por uma contundente negação (agnosticismo), inusitadamente somada a uma controversa definição (virginiana), substantivamente adicionada a uma paixão absoluta e poligâmica (arteS), ligadas ainda  a um exponencial norte na vida (pessoas) e pontuada com uma definição identitária absoluta (poliana).

Pois, a primeira parte desta equação, a moça virginiana sem religiões ou crenças de qualquer natureza, não ganhou, ao contrário do que se imagina, um ângulo espiritual em seu olhar. Não. Ela faz mágica em um terreno muito mais prático, beirando a 'gata borralheira'. Na medida em que se dota de afazeres, objetivos e metas, a curto e longo prazo, full time e ao dia, ela aí projeta  a vida, vivendo  regras e planos e tarefas. De ordem prática ou sonhadora.

Assim, tenho sempre o que fazer e o que projetar dentro da ordem prática do dia a dia e além, no inefável mundos das conotações, metáforas e sonhos. Se tenho, por um lado, que arrumar a casa, fazer compras, organizar o dia e a vida como ela é, trabalhando, estudando, visitando família em MG, cozinhando, recebendo, visitando, amando, indo, voltando, querendo, fazendo (uffffffffa), por outro me sobram também afazeres no campo da imaginação. Tenho de vir aqui, conversar com a Louca da Casa, tenho de planejar uma próxima viagem para não sei onde, não sei quando, tenho de frequentar os SESC da vida, ir às aulas de minha pós, a exposições de arte, cinema, teatro, estudo, literatura e um sem fim de afazeres culturais. Tenho, ponto. E, assim, quero.

Conduzindo esta  equação complexa,  nos deparamos com a arteira buscando e querendo mais, sempre.Um gosto por me pintar com as cores da música, do cinema, da literatura, das artes plásticas, desenhos, rabiscos e pinturas (sinestesia da arte, lembra?).

E me pintar por dentro, no gosto e na vontade de ser tocada n’alma intensamente como a arte bem sabe fazer, me afasta de qualquer possibilidade de depressão.

As pessoas. Ah! Vetor exponencial de meu caminho, retorno maior de meus investimentos vida afora.  Que ganho melhor ou maior que uma mão estendida em um momento de dor?  Carinho, atenção, dedicação, sorrisos, palavras. 

Tudo junto misturado a um jeito poliana de ser, no nome e na vida. A positiva, a do jogo do contente, a que sempre busca  um lado positivo em tudo. E encontra. Sempre.

É isto. A busca permanente por tudo e qualquer coisa que a virginiana traz em si, pintada de arte, de imaginação e de grandeza. Ter sempre o que fazer, na ordem prática da vida, e buscar sempre o inefável, com as lentes poliana para esta vida que quero para mim, coloridas e brilhantes.