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domingo, 29 de junho de 2014

sonoridades estimulantes


Sofisticação instrumental sentida aos primeiro acordes. Acordes, estes, sinestésicos com a película de que, um dia, foram trilha. Você se sentia lá dentro das tramas.

Era Mulatu e era Criolo  nos levando a Flores Partidas através de uma densidade que nos invadia os ouvidos chegando até a alma e a fazendo dançar.

O músico e arranjador etíope Mulatu Astatke esteve em São Paulo, dividindo o palco com o cantor e compositor Criolo. Compartilhando a mesma banda e apresentando um repertório misto, onde um interagia nas canções do outro, eles mostraram forte sintonia musical.

Jazzista africano, considerado criador do Ethio Jazz, fusão deste ritmo com a música latina e com a música tradicional etíope, Mulatu teve forte participação na trilha sonora de Flores Partidas, de Jim Jarmusch, com quatro canções. E foram estes primeiros acordes, que ficaram gravados em mim, minhas primeiras palavras contando deste show pulsante.

A música de Astatke é única, captando influências do jazz e as transformando, com outras bases sonoras.

Kleber Cavalcante Gomes, ex MC Criolo Doido, hoje nosso Criolo, cantor, compositor e MC, dono de uma sonoridade nova e estimulante, já se apresentou ao lado do jazzman  etíope em festivais em Londres e Nova York.

Diante da sintonia (e sincronia) evidenciada, a dupla decidiu repetir a dose em Sâo Paulo.

Ao ouvi-lo cantar em seu ‘Nó na Orelha’, talvez não imaginássemos que poderíamos presenciar, mais  que a concretização, mas a ampliação dos significados de uma sua canção: “Atitudes de amor devemos samplear,
Mulatu Astatke, Fela Kuti escutar…”

A sintonia musical era evidenciada pela sofisticação dos arranjos; pela densidade, pela ‘textura’ do que se apresentava ali.
                O rap em releitura ‘Mulata’.
                O  Ethio jazz em tons ‘Criolos’.


Toda a complexidade, generosidade percussiva e dos metais produzindo um som que pulsa. Rico e vibrante. Mulatu + Criolo, uma equação sonora soando a completude! 

domingo, 15 de junho de 2014

expressão plural


Caos temático. Foi uma primeira impressão, com o que via e ouvia dos protestos; nas ruas, nos jornais, das bocas. Opinião reforçada e confirmada com a leitura cotidiana de jornais e portais informativos  e consolidada, por fim, ao assistir documentário sobre o tema.

‘Junho, o mês que abalou o Brasil’, de João Wainer, primeiro doc produzido pela Folha de São Paulo, é, antes de tudo, plural e bem fundamentado em todos os ângulos ali apresentados.  O filme trata das muitas manifestações ocorridas no país ano passado, que tiveram como causa inicial, o aumento da tarifa de transporte em São Paulo. Liderado, a princípio, pelo movimento Passe Livre, foi expressão dos mais diversos descontentamentos, de diferentes origens, da extrema esquerda à extrema direita (e de quem não conseguia definir porque estava lá).

‘Junho’ é uma boa síntese de uma manifestação  múltipla e reflete isto bem na diversidade dos depoimentos e na forte contextualização das múltiplas origens e razões de ser da(s) manifestação(ões).  São muitos e variados os nomes embasando as razões e sem razões de ser de um movimento que foi difundido país afora. São filósofos, analistas políticos, repórteres, sociólogos, integrantes do grupo  Mídia Ninja, manifestantes desconhecidos, entre muitos outros, legendando e traduzindo  o esgotamento de um ciclo político, sem a construção de outro que o substitua.

Fica expresso e patente, o poder convocatório das mídias sociais, da divulgação privada, em massa, contudo. Não foi uma causa única, um partido, uma demanda que os uniu. As pessoas foram para as  ruas com todas as suas diferenças e, muitas vezes, em nome delas. Cada um aglutinou em torno de uma sua causa, com as ferramentas que tinha às mãos, um grupo para gritar e levantar bandeiras consigo.  Todas as causas e causa nenhuma.

O doc é um retrato factual bem fundamentado, didático e cronológico, mostrando   manifestações populares que levantaram o país do ano passado para este, destacando protestos por demandas  que  extrapolam  o consumo.

Diante de apressadas e adiantadas comemorações do resultado das manifestações, o poeta  Sérgio Vaz, um entre os vários depoentes filme afora, (bem) classifica tal êxtase, como ejaculação precoce.  “O Brasil foi lá, deu uma, isto aqui é a revolução e já deu.”.

Com invejável poder sintético, ele bem traduz a euforia sem ‘lastro’ causada pelas manifestações e pelos protestos. O sair às ruas foi banalizado por muitos, em um processo inconsequente.  Porque os possíveis frutos desta pretensa revolução, inegavelmente importante,  se vierem, serão fruto de trabalhos outros.  Ir às ruas foi só o começo.

domingo, 8 de junho de 2014

memória afetiva



Crachá FOODEX - Japão
Hoje, a greve do metrô me trouxe para casa cedo. Em plena quinta feira. Não teve SESC, nem Cinema, nem Teatro, nem Pedrão. Teve eu, virginiana, minha casa quaaaaaaaase toda arrumadinha (trabalho de dois dias), faltando pouco ‘pr’acabar’, umas latinhas de cerveja na geladeira e um tantão de CD que ainda não coloquei na pilha principal, na sala, ao lado do som, desde o acidente (meu divisor de águas - tudo em minha vida é antes e depois do acidente).

Pois, cheguei em casa e tive a brilhante idéia de somar os itens desta equação. Assim,coloquei uma
Tanta Cássia era...
cervejinha no congelador, liguei o som e fui para o quarto arrumar meu guarda roupas gigante, intocado desde não sei que milênio (acho que desde antes do acidente  ) Cervejinha em punho, resolvi primeiro farejar minha pilha de cds abandonados. E descobri, primeiro, que eu era mais fã de Cássia Eller que eu imaginava. Achei uma pilha só dela. E aí, resolvi aderir à minha paixão antiga e fiz dela trilha sonora para minhas arrumações de guardados quarto afora.

E fui! Guarda roupas adentro, descobertas me embalaram a noite home alone.
Eu não me lembrava que já fui ao Japão. Sim, já haviam me contado, mas eu, tsc, tsc, nada! Não que eu tenha me lembrado, não... Mas vasculhando e escavando as profundezas do meu guarda roupas encontrei uma evidência. Meu crachá na Foodex, feira de alimentos a que fui, representando a Mais Indústria de Alimentos, enviada pela queridíssima amiga Nádia Moreira. Será que este troço em japonês é meu nome ou é exportadora de sucos ou é Mais Indústria de Alimentos? Bom, não sei, só sei que fiquei feliz de me ver ali.

Deixando a virginiana, aliada à curiosa, me guiar, encontrei outro pedaço de mim. Este me fez chorar.
Nas linhas e entrelinhas, afeto...
Encontrei uma pastinha com as cartinhas que minha mãe recebeu quando eu estava no hospital. A pessoa, de quem todas aquelas palavras, poesias, músicas, mensagens fala, sou eu. E me emociona muito não só o carinho ali exposto, mas o fato de eu estar aqui VIVINHA pra contar a história (nem tanto porque não lembro!).
 Por fim e por último, encontrei alguns meus atestados do período que voltei para SP, um ano pós acidente. Falam de fraturas, traumas, lesão gravíssima, déficit mental acentuado, déficit cerebral, falta de memorização, dificuldade de assimilar novas informações, dificuldade de marcha e de equilíbrio.

E aí, querendo chorar, dei um sorriso grande dentro do peito. Foi, mas acabou. Eu sofri, mas não me lembro e estou (ainda) recuperando e aprendendo ao passo e ao dia. Quase budista, vou aprendendo na carne a existência de algo maior que nós, que dê sentido a esta coisa enorme que é a vida. Vou aprendendo que a idade vai nos trazendo sabedoria e percebemos que não temos necessidade de negar o que não compreendemos.