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quarta-feira, 18 de outubro de 2023

pedaços de mim

Eu sou assim, quem quiser gostar de mim, eu sou assim...

Virginiana e poliana, duas predestinações que não acredito, mas me definem e me defino. Não acredito, aliás, em predestinação nenhuma. Somos quem podemos ser, quem queremos, quem buscamos, quem construímos.

E comigo, a vida e os anos foram vindo, eu fui me construindo assim e fui gostando e seguindo ou desgostando e contornando. E quanto mais cética me torno, mais me acredito, me vejo e me aceito dentro destas duas quase esotéricas definições.

Hoje, acredito-as particularmente importantes para meu (permanente) processo de recuperação. E minha superação ao anunciado impossível, em meu entendimento e leitura, não é feita de situações e/ou atitudes admiráveis. Não. É feita de cotidiano, do (re)aprendizado diário. Rotina.

Ser poliana, por exemplo, apesar de sugerir uma boba alegre, implica na construção de nova/outra gramática para a vida. Significa também desenvolver um outro olhar. Qualquer coisa dita (ou feita, ou sabida) ruim que você consegue perceber outro(s) ângulo(s) e girar a cabeça. Importantes, as duas etapas. 

Ter um insight e segui-lo, instintivamente, mas motivadamente.

“Peraí, se você olhar por este lado, vai ver que...”

É que na roleta da vida, bom e ruim seguem sendo conjugados e você sempre pode olhar pelo outro lado.

É uma capacidade passível, pessoal e seguramente aberta ao desenvolvimento. É um aprendizado, até tornar-se natural.

E torna-se. Hoje, é parte de minha identidade. “Se não fossem os sorrisos, se não fossem as cores, não seria eu.

E não acabou. Tem mais um pouquinho! Para ser eu, tem ainda tudo que pode significar ser virginiana, mais, ser virginiana poliana.

Sim, metódica, disciplinada... mas bem humorada, fazendo piada de minhas falhas. E de minhas regras e métodos.

E me delicio com meus contornos e arestas para tudo tanto, com uma teoria pessoal que diz que o melhor de tanta regra é a infração. Sem culpa, sem pecado, sem vítimas. É simplesmente me permitir porque eu quero, porque eu posso.

Mas, não se engane. Até as infrações são regradas. Obedecem a um quando, com que frequência e como pre determinados e acordados com minha consciência.

E ser tanta regra, tanto objetivo e disciplina foi também, fundamental em minha reconstrução.

No Hospital Sarah Kubitschek, terceiro  que fiquei , já de posse de alguma razão, fiz a um dos médicos algumas perguntas sobre meu processo de recuperação e reabilitação (do quase nada que lembro dos hospitais)

Ele me respondeu que poderia ser tudo ou poderia ser nada. Que traumatismos cranianos eram uma incógnita na recuperação, muito mais um tão grave como o meu.  Eu estar ali já era uma puta vitória, com passos enormes e muitos ganhos (claro que ele não falou assim, é a paulistana que segue reverberando em mim, para sempre, quiçá!)

Pois, sim, decidi que não tinha vitória ainda e que minha recuperação seria tudo. Se ela não viesse inteira, eu a reconstruiria, peça por peça, virginianamente, com todas as regras, métodos, disciplina. E polianamente, que o humor nunca me faltaria.

E sigo assim, cotidianamente, para sempre em recuperação.

Esta é minha explicação, meu verso melhor ou único, meu tudo enchendo meu nada.

P.S. 1 - Este texto dever ser do ano seguinte pós acidente e eu, em pleno vácuo da memória, começo citando uma de minhas maiores paixões musicais - Paulinho da Viola

P.S. 2 - Fecho o texto citando Drummond, uma outra paixão (esta, literária) desde sempre, que retornou forte para meus dias, recentemente...

Sempre em (re) construção, EU SOU É EU MESMA!

 

domingo, 25 de junho de 2023

frio ou calor, qual a sua 'praia'?

 Frio descompensado destes dias de inverno gera caloroso (não calorento) debate, que pede mais palco

Sou friorenta. Muito! Mas prefiro o frio ao calor, sem dúvida ou hesitação, definitivamente. Não gosto de sentir frio, mas aí são outros 500.

Dia destes, diante de um frio cortando até a alma, incorporando as sensações provocadas pelo tempo, engatilhamos rico debate, na cozinha da Cooperativa onde trabalhamos, eu e Sarah, colega cooperada, sobre as vantagens do frio, ante o calor e vice versa.

Argumentos ‘furiosos’ apresentados de lado a lado, ela verão e eu inverno, ficamos na promessa de estender invencivelmente (as duas) este debate, já que o tempo do café não era suficiente para nossos irrefutáveis argumentos, eu na lareira e ela na praia.

Tenho uma teoria vencedora, que tem adesão de todos que a ouvem. Ficar quentinha no frio é muito melhor que ficar fresca no calor por diversas razões e eu listo algumas aqui.

Escrevo esta dissertação direcionada a ti, Sarah, para você aderir irremediavelmente aos meus argumentos vencedores. Você vai ver que eles são irrefutáveis. Seu trabalho, então, é construir os teus, uma vez que, derrubar os meus, está fora de questão.

Vamos às listas de cada cenário, cada condição, cada clima. Primeiro a lista vencedora – o que é bom no inverno!

1 – A lista de coisas mais prazerosas de fazer no frio é extensa e quase total, porque é complexo achar coisas boas de se fazer no calor. Vamos a elas.

 – Comida. Não importa se comida leve ou pesada, falo aqui do ato de comer. No inverno, o ato de comer ganha um espaço especial em nossas programações sociais e românticas.

– Trabalhar. Sim, a gente fica mais produtivo, rende mais, sem suor, sem desconforto, sem ficar abaixando a temperatura do ar-condicionado toda hora.

– Estudar ou ler, sentado ou deitado, lazer ou com compromisso de prova avaliando. É gostoso ler no frio. Com um capuccino, faz o cenário ideal. Parar para ler no calor me soa melado entre as pernas e nos vãos dos braços, como um esforço para ler.

– Ver filmes, na tv, Netflix, TV à cabo ou cinema. Sem sombra de dúvidas e com cobertas ou cachecol, acompanhando a pipoca (até ela se encaixa melhor no inverno).

– Cozinhar (que para mim é lazer) também não tem questionamento. Ficar de pé, picando, separando, esquentando, mexendo, ralando, provando, assando, fritando, suando? Com o frio, os aromas ficam todos ricos e experimentais e o vinho acompanha lindamente, com os exercícios do ato em si, mantendo a boa temperatura do corpo e a endorfina alta!

– Limpar a casa, a cozinha, o banheiro... sim, porque de afazeres cotidianos também é feita a vida... No calor, só é bom quando tá rolando uma contabilidade forte de gasto calórico e, mesmo assim, se você for muito poliana, de ficar procurando o lado bom das coisas.

– Falando em gasto calórico, treinar... na academia, em casa, na caminhada... no calor, só é boa a parte de chegar em casa e tomar uma ducha com chuveiro desligado! No inverno, é bom tudo, aquecimento, esforço de peso, esforço aeróbico. Endorfina em forma de calor no corpo em tempo gelo austral.

– Viajar. Com malas, bagagens, mapas, roteiros, programações, aprendendo do trânsito e roteiros locais, aprendendo do transporte local, visitando museus, palácios, programas culturais, conhecendo a culinária... vixi, 8 pontos para o inverno e 3 para o verão... Porque viajar não é 10, é 11!

- Dormir. Alguém ousa comparar dormir no frio e dormir no calor? Dormir enrolado e enroscadinho no frio não tem comparação com dormir estatelado e aberto na cama, sem encostar uma parte do corpo em outra ou sem encostar em quem dorme com você para não melar. Isto, falando de dormir, porque falando de transar, o gosto é subjetivo (e peculiar, diga-se de passagem).

– O tema transa no calor me leva para o lado mais romântico desta história. Namorar. No frio ou no calor? Responde, mas responde para si. Você tem coragem de dizer para si que prefere namorar no calor? Abraçado suado, com as camisetas levemente molhadas (ou muito) embaixo do braço, com um cecê nele ou nela ou nos dois... romântico... aff!


Pronto, enchi as duas mãos...

 Agora vamos à lista do calor:

– Nadar ou se molhar, corpo inteiro. Na piscina, no mar, na lagoa, na cachoeira, no rio, tudo, tudo é melhor, com força, no verão, no calor. Mas quantas vezes por semana você se molha assim, sem contar com o chuveiro desligado, do banho de mangueira ou no tanque.

– Sentar num buteco à sombra, com mesas na calçada, uma brisa boa, sem melação e sem fila... aqui também, com que frequência cotidiana você pode fazer isto? E qual o seu controle sobre as outras variáveis que compõem a cena?

–Tomar aquela ducha desligada, aberta no máximo, depois de uma corrida (único ponto que me ganha!)

– Ficar no ar condicionado pleno (isto é programa?)

– Alguém tem mais algum argumento? Você, Sarah, tem alguma carta na manga?

 

 

sábado, 29 de abril de 2023

Labores e Sabores cotidianos


Você tem um hobby? Pois é, eu custei a achar os meus... por uma falta de atenção, talvez... mas os tenho... e são muito fortes em mim! 

Numa prosa gostosa, daquelas de cozinha, com gente afinada com a gente, rolou a pauta de labores manuais, no campo do lazer e do prazer.

Fiquei pensando e não encontrei nada, nem plantio, nem artesanato, nem artes plásticas, nem instrumentos musicais. E fiquei desapontada comigo mesma. Como assim, uma pessoa tão afeita a prazeres artísticos, fora dos afazeres cotidianos, que terminam por produzir resultado no espírito não ter um rito cotidiano? Como assim, eu não ter nenhuma atividade extra oficial que entregue prazer.

Ensimesmada, não me entreguei e fiquei repassando meus afazeres e prazeres diários, um a um. Um dia teve o crochê, é verdade, mas vão aí décadas que nem encosto em uma agulha ou um novelo de linha. Música, só o ouvido, a pesquisa, os mp3, rar e bits correspondentes. Artesanato, nem de forminhas de brinquedo no barro, com meu filho. Arte, os muitos museus que visito e admiro e ponto, cabô.

Fiquei passando e repassando, na cabeça, uma lista de possibilidades até que encontrei algumas, e pensei que são mesmo o que melhor me define!

 

A cozinha. Não a cozinha do dia a dia, mas a cozinha social, aquela da hora do prazer e para amigos do coração, que pedem um temperinho na medida pessoal. A cozinha, com toque personalíssimo das mãos e dos sentidos ativos e atuantes, a da alquimia de sabores experimentais, a todo vapor.

 

- O treino cotidiano do corpo, para configurar a mente no modo endorfina. Me faz um bem incomum e muito imediato! É treinar, pá, pum, meu humor está 100%. Isto, cotidianamente, há mais de 20 anos. Agora, então, depois de perder movimentos e sensibilidade, em parte do corpo, por um tempo, enxergo no campo da arte,  posições e alongamentos e, sim, os pesos todos (bem pesados!)!

 

- As 'escrivivências'. Escrever tem uma conotação muito intensa para mim. São significados pessoais nascentes, a todo vapor. Gerá-los e entregar significados tem um valor gigante!  Os contornos que desenham minhas mãos falam da intensidade com que vivo e me entrego às experiências, mesmo às dos outros e as inventadas. Falam de sua origem, do que trazem de minha história e vivências pessoais. Todas ganham carga emotiva, passando por minha criação literária e meus contornos motores.

 Então, taí, me encontrei! 

Meus labores e sabores manuais cotidianos falam de muito de mim e bem desenham minha personalidade.

Este texto, fruto de um prazer cotidiano (no tema e na prática), nasceu em uma prosa no cafezinho do trabalho! Reverto, assim, a pergunta! Você tem um hobby, Eddie?


sábado, 8 de abril de 2023

Filme Marte 1 mostra universo dentro de casa

 


Os conflitos dos entes de uma família, iguais, mas diferentes, cativam, via identidade

Flashes do contexto de cada ente familiar, ao princípio, já me fisgaram por mostrar a inteireza da história de uma família negra protagonizando, reunindo diferentes personalidades e rotinas, dignas, humanas escapando aos clichês das narrativas que delegam aos negros papeis secundários, criminosos ou estereotipados.

Nos papeis principais, a família inteira, pai, mãe, filho e filha, e seus diferentes fragmentos de sentido compõem a narrativa.

Um roteiro polissêmico. Cada qual com sua frustração, contradição, dor e delicia. Todos enfrentando as dificuldades de uma família negra, classe média baixa, em um Brasil em tempos de Bolsonaro, o que a televisão da família não nos deixa escapar e confrontar com os sentidos que emergem de tal cenário sociopolítico.

O filho quer ser um astrofísico, a filha é uma .... homossexual (não me lembro de indicarem a profissão ou qualquer outra característica identitária), a mãe uma doméstica e o pai um porteiro. Daí se irradiam múltiplos conflitos e sentidos, que bem conversam entre si. E conosco.

A trilha sonora reflete bem esta polissemia e também dialoga com o filme, personagens e sua trama pessoal. Indo do funk ao samba, os personagens traçam sua história particular na medida de seus sonhos, dos mais terrenos e cotidianos aos intergalácticos.

Como a mãe diarista, que precisa de mais clientes; a filha homossexual que quer sair de casa e morar com sua amante ou o pai que sonha com uma carreira futebolística estelar para seu pequeno, que sonha, este, visitar outro planeta, através da missão espacial, Marte 1!

Este filme sensível e polissêmico me conectou imediatamente a uma frase que li por aí: existe um universo em cada casa. Sua abordagem de relações familiares em sua inteireza nos posiciona como que defronte a um espelho, apesar de todas as diferenças ali retratadas.  É uma família, tão peculiar quanto a nossa, quanto todas. Igual, mas (muito) diferente.

Merece nota a cumplicidade dos irmãos, dentro de seus infinitos particulares. Nada parecidos, em nada, um se identifica na diferença do outro e ponto. E isto é suficiente para se entenderem plenamente.

Obstáculos, dilemas e travessias de relações humanas guardam uma dignidade muito forte pela simples identidade. Todos temos conflitos internos (e externos) e tendemos a nos reconhecer na dificuldade do outro.

É tão bom sentir que a gente cabe no mundo, fala sério?

Marte 1, com direção de Gabriel Martins, teve sua estreia internacional no Festival de Sundance e foi o filme brasileiro escolhido para concorrer à vaga nos candidatos ao Oscar de Filme Estrangeiro. Mas não rolou. Merecido era, quer dizer, é, sobretudo frente à abordagem de tantas questões sociais prementes no Brasil, mas, e os outros candidatos?


#marte1 #cinema #polissemia #sundance #oscar


sábado, 5 de fevereiro de 2022

ADAPTAR PARA SOBREVIVER

 

O contágio brutal e incessante da humanidade pelo Coronavírus, nos jogou em uma encruzilhada, quase sem saída. De adaptação ou adaptação.

Como se relacionar, como crescer e procriar, como conviver, com o distanciamento; ou pior, o isolamento, como fio condutor das relações da humanidade sobrevivente? Pois, vamos nos adaptando.

Sim, temos conseguido sobreviver à COVID 19 e suas mazelas respiratórias, mas a duríssimas penas, com restrições muito severas, que nos impõem um distanciamento que contraria, portanto, nossa continuidade, via reprodução.

O vírus, em seus reiterados ciclos, aprendemos com o tempo, sobrevive em cima de mutações intermináveis, com o surgimento e alastramento de novas cepas. E aí, quando nos iludíamos com um contágio em vias de moderação, nova variação ribonucleica do ‘monstro’ nos trancava de novo e de novo e de novo. Iludíamos, porque depois de tantos anos nos distanciando, não nos iludimos mais e aprendemos que não podemos sair de nosso círculo, feito casulo. Demorou, mas quando conseguimos nos condicionar assim, a mortalidade despencou, em todo o globo.

Seguimos, mundo inteiro, em grandes cidades, grandes metrópoles, mas acondicionados em nosso casulo familiar ou de convivência, milhares de comunidades autônomas formando cada sítio, de qualquer esfera urbana. Serviços remotos e sistemas delivery, que já eram uma reflexo indireto da era digital, proliferaram exponencialmente, naturalizando-se (e isolando-nos) em todo o globo.

Ainda acontecem desvios da curva, aqui e ali, humanos que somos, seres relacionais na essência. Ou também algum meio improvável de contágio que ocorre de ‘repentemente’ e se dissemina na velocidade da luz.

Diante de tantas mudanças tecnológicas e biológicas, através do tempo e através desta pandemia, Darwin se mostra mais atual que nunca. Adaptar para sobreviver fez-se lema, nosso, mas também do vírus. Mutante em sua essência, o Coronavírus segue se reconstruindo, RNA a RNA, de modo a desviar de nossa prevenção e seguir nos contagiando, seres hospedeiros.

E nós seguimos nos adaptando, distantes, mas próximos, comportamentos e costumes desconstruídos na essência e reconstruídos em cima de valores avessos à nossa humanidade. Tão longe, tão perto, ‘vida remota’, a todo vapor.

A esta altura do campeonato, corona game em campo por 15 anos, muitas variantes e cepas depois, a transmissibilidade tornou-se campo de extermínio.

No início, pensou-se em estabelecer punições para quem furasse as regras do jogo de isolamento, mas a pouca sobrevivência destes seres nos fez olhar para eles como fundamento de estudos de perfis, DNAs, tipo sanguíneo ou o que quer que seja que faça alguns mais imunes que outros. E esta foi a punição imposta.

Nossa adaptação tornou-se mote de estudos, em novas tentativas, reiteradas e cíclicas. O intercâmbio entre grupos conviventes se restringiu ao mínimo também ou quase se extinguiu. A máscara se tornou parte de nós a ponto de não nos conhecermos mais, sem ela. E não temos ocasião de nos vermos assim.

Não almoçamos juntos, não dormimos juntos, nem usamos o mesmo banheiro. Uma casa de 4 quartos tem 4 banheiros e o álcool, ah, este se tornou acessório essencial, item indispensável, a qualquer dia, qualquer hora, com qualquer um.

As populações mais carentes do mundo inteiro, sempre vítimas inevitáveis de qualquer cepa de acaso, viveram um processo de quase extermínio, uma vez que o isolamento e as restrições sanitárias se faziam luxo em seu campo. Mas aqui também, adaptar para sobreviver, e encontrou-se um jeito de lidar cotidianamente com as faltas, de modo a não fazê-las o tal campo de extermínio.

Nossa procriação, investindo na continuidade da espécie, até que (UM DIA) derrotemos este vírus, em todas as suas possíveis cepas, restringiu-se ao modo IN VITRO e as relações e trocas afetivas ao modo virtual ou remoto. As relações nunca foram tão íntimas, e a um só tempo, públicas, porque em rede.

O que você quer fazer, tem que falar, tem que escrever, para o outro sentir e dar o troco, na mesma moeda, fala ou escrita. As ações, por outro lado, nunca foram tão unilaterais. A masturbação ganhou posições e acessórios como nunca por ser a única opção relacional analógica, de todos, para todos.

Redes sociais de todas cores e todos os tipos, variando por sexualidade, idade, língua,  preferências sexuais, por geografia, por campo de interesse absorvem nossas relações, sem, no entanto, esgotá-las. Não se bastam, não nos bastam. Há sempre alguma coisa ausente.

Nos relacionamos virtual e remotamente, tanto no ofício quanto na amizade, familiaridade ou intimidade e procriamos, continuamos, IN VITRO. É a solidão buscando a solitude, sem alcançar, no entanto, porque humanos, demasiado humanos.

Nosso futuro, este está na adaptação completa da humanidade, vivendo-o inteiro na individualidade ou na derrota este vírus anti-social e egoísta.

Cena e horizonte inóspitos, fica uma frase: “Vida que te quero viva.” A saída deste imbróglio, vivos, um dia a gente acha!

 

 

 


domingo, 7 de fevereiro de 2021

CINEBIOGRAFIA DE GABO - INTERTEXTUALIDADE A TODO VAPOR


 

A memória permeou toda minha interação com a cinebiografia de Gabriel Garcia Marquez, meu Gabo desde há muito, com a intimidade definindo minha relação com o homem e sua obra. GABO – LA CREACIÓN de GABRIEL GARCIA MARQUES - todos os seus livros citados ou ali descritos revolveram lembranças e foi algo catártico, somehow, porque foram livros deveras significativos para mim, cada obra a seu tempo, no meu momento.

Apesar de ter começado meio do avesso, só que não, cada livro teve presença de fato nos meus dias. Comecei minha incursão por sua literatura com 100 ANOS DE SOLIDÃO, que me enveredou através da complexa genealogia dos Buendía, pelo realismo mágico e por muitas outras de suas obras. Do avesso, porque o tamanho e a dimensão da família guardam alguma complexidade para uma iniciante literária, junto a seu nascente estilo.

Me surpreendeu muito me lembrar de um trecho lido logo ao início, falando de um tempo em que ainda não havia palavras, sendo necessário apontar para designar.

Gostoso conhecer a origem da lendária MACONDO, que sempre teve um lugar especial em meu imaginário, guardando certa magia, origem do realismo fantástico em minha vida. Inspirado em Aracataca, vila diminuta nos Confins da Colômbia, onde passou sua infância, guarda as cores do estilo reverberado por ele.

Vida e obra do autor são descritas através de inúmeros depoimentos e trechos de uns 10 selecionados romances. Para compor GABO, personagem de si; outros personagens, agora de suas histórias, conversam ou narram intercaladamente, promovendo uma intertextualidade latina fantástica e saborosa. Para ele a literatura era algo que nunca podia estar apartado de suas relações e isto fica patente nos depoimentos.

Me causou particular (e surpreendente) boa impressão, os depoimentos de Clinton sobre o autor e sua obra. Depoimentos de largo portfólio de suas relações dão perfil largo ao protagonista porque visto de ângulos bem distintos.

O filme bem sucede em sua tentativa de entender a estranha história do menino nascido na pobreza em um vilarejo desconhecido dos confins da Colômbia e alçado a destaque inconteste da literatura mundial.

Entre suas idas e vindas da Colômbia, Europa, Nova York e México, em uma visita a  Aracataca, pela primeira vez, depois de deixar a cidade, teve a ciência da grandeza de sua história e valor de sua experiência. Nós também, GABO, através de sua literatura, os flashes de seus dias nos iluminam!

 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

ALGUÉM TEM QUE OUVIR O CORAÇÃO

 

Ele começa se (in)definindo entre argentino e brasileiro. Nem um, nem outro. Ou um e outro. Não o reconhecem como nativo lá, tampouco aqui. Ou o reconhecem lá e aqui também. Ele é BABENCO em ALGUÉM TEM QUE OUVIR O CORAÇÃO E DIZER: PAROU

É um doc metalinguisticamente autobiográfico, dá para entender a redundância? Deixa eu explicar. Pensa comigo: um doc falando de si, porque é sobre a vida de um cineasta. Então, o protagonista Hector Babenco, que é co-diretor (na prática) junto a sua esposa, Bárbara Paz, está sempre trazendo o cinema e o doc, em si mesmos, para o centro da trama.

Sei que tá muito confuso. Deixa eu tentar simplificar de novo. Doc sobre um cineasta é um doc sobre o cinema. Cinema sobre cinema, pela biografia de um cineasta, vida e obra.

E um dos sabores mais fortes desta produção é ver o quanto vida e obra aí se misturam. Onde  acaba uma e começa a outra? O cinema, a vontade de viver e o estar vivo são indissociáveis, segundo o próprio.

Ele diz sempre ter tido uma confiança ilimitada em sua capacidade de ter sorte e sobreviver e a gente tira a prova em função dos seguidos prazos-limite de vida que lhe são dados por médicos, em hospitais e até países diferentes. E ele segue por cerca de 30 – TRINTA – anos sobrevivendo.

Seus prazos não superavam nunca o ano corrente, então. Falavam de, no máximo, mais um ano. E ele passava e seguia vivo por vários seguintes.

A cumplicidade desenvolvida entre ele e Bárbara – dividindo o filme e dividindo a morte dele, é algo enorme. Ele dirige a própria morte. E a cena que ela faz de si mesma, sem ser spoiler, é catártica. Só.

Plasticamente, o filme é lindo, fotografia, P&B, seleção de imagens, tudo conspira junto aos significados que o filme exala explorando vida e obra do cara, por ele mesmo, consciente e poeticamente.

Lidando conscientemente com o avanço progressivo da doença e a perda de capacidades e funções, mexe com a gente no questionamento da extensão e da força do humano.

Ao passo que vídeo-registros de suas conversas com equipes de vários filmes de sua autoria, clássicos de nossa cinematografia, nos dão uma boa visão de seu papel na direção e de suas escolhas nos roteiros, na luz, nas falas, nos ângulos, nas cores, nas expressões, em TUDO.

Sei bem que estou hiperbólica, mas deixa ser, deixa estar, é o que sinto e aos meus olhos de agora o doc nos deixa a impressão de onipotência e onipresença de um diretor como ele. Representa uma espécie de Deus de um universo e tempo delimitados.

“Estou morrendo, mas meu coração não quer parar. Quer continuar.”

As cenas inicial e final, com imagens de Hong Kong, trilhadas por BREATHE – RADIOHEAD, me tocaram particularmente, apesar das críticas que li da desarticulação destas escolhas. Para mim, não, e o cinema, além da produção autoral e significados na origem, é cada um que o vê e todo seu hipertexto cognitivo. Ele faz menção a Hong Kong que, junto aos significados da música – Breathe, Exit Music for a Film -  diz tudo e mais, só no nome, para mim.

Ele morreu como viveu. Filmando, till the end – exit music for a film.

Em cartaz no YouTube e no Google Play

 

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