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domingo, 24 de novembro de 2013

joana de tal



Noticia de Jornal
Tentou contra a existência
Num humilde barracão
Joana de tal, por causa de um tal João
Depois de medicada
Retirou-se pro seu lar
Aí a notícia carece de exatidão
O lar não mais existe
Ninguém volta ao que acabou
Joana é mais uma mulata triste que errou
Errou na dose
Errou no amor
Joana errou de João
Ninguém notou
Ninguém morou na dor que era o seu mal
A dor da gente não sai no jornal
Legendas de uma escolha:

Com a desculpa de um verso-conexão com um tema de recorrentes debates  nas aulas de 'Mídia, Complexidade e Poder', da pós graduação que faço, trago esta canção de Chico Buarque, minha paixão musical desde sempre, para devaneios da Louca da Casa.

Vamos a ela, a senhora conexão:

“A dor da gente não sai no jornal” - Isto porque esta canção, Chico, não é do tempo de redes sociais, é anterior a esta revolução digital que vamos vivendo, ao dia. Hoje sai, sim, em mídias sociais, a dor, a morte, a doença, a briga, a vitória, o nascimento, a comemoração,  qualquer pedaço do cotidiano de gente como eu, importante destacar. Porque você, Buarque, continua colorindo as páginas dos tradicionais folhetins. Hoje, na alegria e na tristeza, nos fazemos vitrine. Nós, cidadãos anônimos.

Entre várias outras razões para te fazer personagem nestas páginas, Chico, quero contar um causo:

Além de paixão de minha mãe desde sempre, era também referência maior daquela que foi minha professora de história, por cinco anos. Assim, além de acordar e dormir ouvindo  a coleção integral dos vinis ‘buarqueanos’, à medida que eram lançados, ouvia a contextualização histórica de cada canção que merecesse destaque pelo conteúdo e pelo contexto. E muitas mereciam… e mereceram.

A professora tinha uma aula/palestra especial chamada ‘A História do Brasil na Música Popular Brasileira’ e esta aula se perdia e se encontrava em veredas melódicas dos significados que nos explicam brasileiros.  Nos fatos que mereciam destaque e no cotidiano, ‘Joana de tal e um tal João…’ E era Chico quem nos explicava, na maioria das vezes, através de seus tantos significados musicais.

Um P.S. importante: a mãe e a professora de história eram (e são) a mesma pessoa!

domingo, 17 de novembro de 2013

solidão à deriva


Do diretor mexicano  Alfonso Cuarón, ‘Gravidade’ se mostra um cenário de desconforto e risco permanente.  Um pânico pela dimensão do desconhecido à espreita.

A trama chega a ser simples. Três astronautas no espaço, realizando consertos externos no telescópio Hubble , são surpreendidos por uma chuva de destroços decorrentes da destruição de um satélite por um míssil russo. Um deles morre e os dois outros ficam à deriva na órbita da terra.

Um dos pontos mais expressivos do filme é a qualidade técnica da obra. A engenhosidade das cenas, em envolventes e criativos planos sequência, a maior parte delas em pleno espaço, deflagra, por um lado, um aspecto visual de tirar o fôlego e por outro a máquina do universo em funcionamento, suas engrenagens girando. E o mundo humano à deriva, via Clooney e Bullock, conscientes da dimensão da fatalidade que os espreita … ou que já vivem.

De um roteiro simples, faz-se grande narrativa. Com os protagonistas sendo submetidos a todo tipo de contratempo em inóspito e hostil espaço, surpreende a maneira engenhosa que se articulam, atores e imagens.

Gravidade acerta por sua despretensão. Em nenhum momento Cuarón se mostra mais preocupado em transmitir alguma mensagem existencial ou apresentar subtexto mais qualificado. O filme não é, definitivamente, filosófico, mas suas imagens e contexto nos colocam dentro de questionamentos. A dimensão questionadora fica a critério de quem assiste. O filme não induz, mas deixa espaço para isto. Em cada um.

A hostilidade do universo nos confronta com a solidão em seu estado mais puro e eloquente.

O visual deslumbrante de Gravidade, via excelentes efeitos visuais e sonoros, nos leva a um passeio pelo espaço, colorido por forte tensão. Em um bom cinema 3D nos sentimos à deriva.

domingo, 10 de novembro de 2013

o que me habita sou eu



Meu quebra cabeças de vida vai se (e me) reconstruindo, peça por peça e me dotando de um novo olhar, mais forte e significativo. E assim, grande e segura,  vou chegando ao fim desta minha interminável história de recuperação, me reconhecendo. Muito prazer. Sou eu!

E gosto muito de ser poliana, a minúscula, mesmo. Hoje dou um tremendo valor e enxergo quanto isto foi e tem  sido deveras importante em meus dias.  Tendo vivido o que vivi, carrego comigo um olhar extra positivo. Estava prestes a escrever: ainda trago comigo um olhar positivo. Mas não, não seria exato porque meu olhar anda mais colorido e assertivo que nunca. Enxergo possibilidades e caminhos, querendo trilhar e experimentar.

Um processo de (re)construção vivido assim, com absoluta consciência chega às raias da catarse. Porque vamos nos construindo na vida no modo automático. Assim: temos o perfil x determinando opções e atitudes vida afora.  De repente, você não sabe que escolhas te justificam, que caminhos percorreu, que posturas assumiu ou defendeu.  Pior, você não sabe quem é. Adjetiva e substantivamente. Porque, como, quando, onde, são perguntas que você não responde.

Mas é aí que tuas escolhas, opções e opiniões começam a contar sua história fazendo um caminho inverso.  Se antes você os determinava, de acordo a um seu perfil, agora, eles te desenham e definem este perfil  perdido  e esquecido.

Redescobrir quem sou (ou era), ao dia; pesar diante dos meus olhos de hoje e decidir como quero para frente; com a consciência fazendo frente a cada descoberta do si mesmo e a cada decisão futura, é um prazer orgástico. Se não tivesse um acidente e muita dor no caminho (como dizem) eu aconselharia todo mundo  a passar pelo que passei e viver o que vivo.  Trazer perto o que se fez longe por muito tempo; quem, o que e como sou.

Se reconhecer e se explicar são prazeres que não temos no comum dos dias porque é, para nós, da ordem do trivial, redundante.

Diante dos fatos, do cotidiano, diante da vida, lembranças me tomam pela mão e, devagar, me dão cores, nuances e sabores disto que sou eu.  Me explicam e me justificam

Paro e me observo para me saber. As comidas, os temperos, as músicas, as viagens,  as palavras, escritas e faladas;  a família, as relações, as pessoas, o amor, o coração, sobretudo. Meu mar interior vai crescendo e inundando espaços vazios que me habitaram por um tempo. Derramando entusiasmo, vou me sabendo e aprendendo Poliana (a maiúscula). E Poli são várias.


domingo, 3 de novembro de 2013

o imediato em 'des'construção


Aqui, tudo se desmonta. Melhor, se destrói. Encena-se a arte do devir, sob o signo do caos.  Simultaneamente, faz-se arte e coreografa-se a destruição. Contemporaneamente, em trabalho de sintaxes pouco ortodoxas, invalidando e anulando classificações.

Inclassificável, pois. Um espetáculo na fronteira entre teatro, dança, circo feitos, todos, malabarismo.  Ou sem fronteiras. L’Immediát, premiado espetáculo francês, traz o ritmo das ruas para o para o palco, ou para o picadeiro. São seis  corpos que parecem condicionados à instabilidade, à busca permanente do equilíbrio, portanto, com o imediato como cenário cotidiano, gerando ebulição e frenesi e uma desordem escancarada e brutal.

“Pedimos que evacuem o teatro. Cinco minutos de intervalo”. Dita em português, com forte sotaque estrangeiro, esta frase demarca a abertura do espetáculo. Assim, portanto, entra em cena a apresentação após breve  introdução, diga-se destruição, do cenário.

É um acidente contínuo, o que melhor descreve a encenação e sua permanente imprevisibilidade, na produção artística do inusitado. Um circo contemporâneo. Catástrofe, desastre, acidente feitos, todos, circo.

 Intérpretes, artistas, acrobatas com ares de clown, encenam a vida no picadeiro e levam as ruas para o circo, porque no primeiro, tudo se equilibra  e ali, no palco, como nas ruas, tudo desaba.   A intenção era uma montagem desbravando o oposto do equilíbrio do circo. Toda queda, quebra e choque é  milimétrica e cronologicamente arquitetada, no entanto.

Em gavetas, armários, mesas e embaixo delas esconde-se, aparece-se, dança-se, mexe-se, dobra-se e faz-se rir.  Sob o signo do caos, correspondendo a uma ordem desconhecida. Do imediato, talvez.  É uma desmontagem, destruição em andamento, um trabalho de (des)construção cenográfica com forte sincronicidade.  Como  aquelas obras que carrega uma plaquinha demarcando um processo, ‘em construção’,  aqui, se lê: ‘em destruição’.