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sábado, 19 de janeiro de 2013

epifanias 'clariceanas'



O mote da peça é simples. Inspirados na obra de Clarice Lispector de uma forma geral, em seu universo – em especial em um trecho do livro ‘Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres’ – a Cia mineira Luna Lunera, em parceria com Jô Bilac, apresenta seu novo espetáculo.

Não há uma história no roteiro da peça. Não se trata de uma adaptação ou mesmo discurso direto. Entre referências do teatro experimental , a peça apresenta o reencontro de quatro amigos que, costurando depoimentos e improvisos, expõem suas inquietações e angústias. Parece um encontro marcado consigo mesmos. Com o que cada um fez de si.

 E é aí que entra Clarice. Ela parece fonte e alimento, para que cada um encontre ali o que mais o mobiliza ou traduz.

Prazer, em cartaz no CCBB, traz a obra de Clarice nos dilemas dos personagens e as transformações por que passam em meio ao cotidiano. Não há grandes revoluções, clímax ou tensão. São coisas simples, pequenas epifanias, redimensionando a existência.

Os personagens, os quatro ‘clariceanos,’ na identidade e no discurso, buscam a alegria em meio a inquietações e angústias cotidianas. E nesta busca reside a simplicidade.

Chama a atenção, o fato de que os diálogos, os jogos de cena são nitidamente coreografados, estabelecendo uma linguagem corporal em sintonia com aquele repertório e com as emoções em cena.  Um teatro-dança transparece no trabalho e um jogo de improvisação a partir do contato.

São temas e ideias e palavras da autora em um processo de criação colaborativa. Processo que horizontaliza as relações, todo mundo podendo interferir no trabalho de todo mundo. O trabalho de criação, inclusive, foi ‘dividido’ com o público. Antes de existir um roteiro eles realizaram um ‘Observatório de Criação’ no qual o público é convidado a conversar sobre o espetáculo e, esta conversa pode trazer outros rumos à trama, às cenas.

O grupo investe em relações humanas de forma que sobressaem momentos de poesia. Janelas da alma onde se pode ver um pouco lá fora e muito lá dentro.

sábado, 12 de janeiro de 2013

brutal e poético




Monsieur Oscar é um homem sombrio que passa o dia em sua limusine luxuosa, enquanto passeia por vidas paralelas, encarnando diversos personagens. Ele nos parece um ator representando, alternando-se entre um assassino, um pedinte, um industrial e vários outros.

Mas não há qualquer evidência de uma ‘dramatização’, de fato. Em representações despropositadas e gratuitas,  por si e para si, ele nos parece perseguir a beleza e o motor da vida em cada situação, relação, mulheres e os fantasmas da sua memória.

Holy Motors, filme de Leos Carax, não tem uma mensagem precisa ou um roteiro definido. A gratuidade e ausência de explicações de tudo chega a ser perturbadora. Foi considerado por muitos como estranho, incompreensível.

O diretor nos apresenta, de forma brutal e poética, pequenas histórias, de caráter infinito e circular: elas podem recomeçar, se transformar, voltar atrás. Em narrativas múltiplas, que jamais se completam, ou se explicam, sem qualquer mensagem precisa, Holy Motors é certa e absolutamente metalinguístico. Através de encontros pré-estabelecidos, ele vive uma ficção diferente a cada momento do dia. Cada 'encontro', como são chamados seus 'atos', é pré-construído por ele, juntamente com sua motorista.

Assim, ele não é apenas Oscar, mas também um assassino de aluguel, um músico, um idoso  falecendo, uma senhora pedinte. São vários personagens, vários fragmentos de histórias, que não se completam ou se explicam.

O filme é complexo e misterioso. Leos Carax mergulha seus personagens na própria essência da representação, sem munir o espectador, em momento algum, de chaves de leitura. Cabe a ele projetar o sentido da obra neste personagem que é todos os homens do mundo, dentro e fora das telas.

A chave talvez seja esta incompletude que nos move, desde sempre. Brutal e poético.