Confesso que a ideia de um filme de vampiros, ainda que do
Jarmusch, a princípio, me causou terror. Mas, diante da filmografia do diretor
e de seu histórico cá comigo, com meu gosto pessoal, me decidi a um embarque ‘de
olhos fechados’. Mestre da reinvenção de gêneros, Jim Jarmusch, aqui, desdenhando de nossos
paradigmas e histórico de fantasias de terror nos reconstrói uma história de vampiros,
com charme e requintes. Não é terror, não é comédia, n’alguma espécie
de paródia, é uma história contemporânea, misturando referências. Adam e Eve (a Criação, na linha dark ?) são
vampiros estetas. Seres que fazem
contrabando do banco de sangue, para nutrir suas demandas físicas e se
alimentam, de fato, de arte – música e literatura.
Eve (Tilda Swinton, em excelente papel) é uma leitora,
ávida devoradora de livros, literalmente. Requintados romances de diferentes épocas. Adam (Tom Hiddleston) é um músico apaixonado ,
colecionador de instrumentos raros e discos clássicos, com alguma participação
em diferentes momentos importantes da história da música (dada sua vida eterna).
Em ‘Amantes Eternos’, filme de Jim Jarmusch, o que menos importa é a estória, a narrativa.
Importam mais a maneira de contá-la, os personagens envolvidos e sua
construção, seus amores, humores e referências.
A trilha sonora, a estética sombria e decadente compõem a plástica deste
filme incomum.
A música é mais que trilha, é personagem, parte da história
porque são vampiros musicais estes ( e de, e que, bom gosto!)
As requintadas e históricas referências culturais e
artísticas destes seres imortais, em tom prosaico, dão uma perspectiva
interessante, de quem viveu séculos, milênios buscando na arte um significado
maior para suas vidas. Os outros mortais, chamados de zumbis, têm a existência
vazia, ligada a razões mundanas, vivendo em função do trabalho e absolutamente
incapazes de qualquer relação com a beleza.
Jarmusch dá charme, elegância e lentes contemporâneas a esta
fábula secular. Li, em algum canto da rede que, para ele, há no mundo um número
limitado de histórias a serem contadas. O que muda, sempre e muito, é a maneira
de contá-la. E nisto, o diretor se revela protagonista em sua história no
cinema, transgredindo gêneros, reinventando-nos como regra.
Falando fluentemente a língua da música, Detroit, com sua
forte e inovadora cena, protagoniza
sombriamente a trama. Em crise financeira, suas paisagens desoladas compõem bem
o quadro decadente de vampiros elegantemente deprimidos que nos colocam a
questão se a arte pode sobreviver à crise econômica. Qual o espaço da fruição,
fora do mercado?
O sangue é, por fim, alimento essencial que, trazido de
bancos de sangue, provoca também prazer. Uma sensação de completude,
imagino (lembrando de meus tempos de
vampira(!!!). Mas é aí que pontuo meu último de muitos elogios ao roteiro
original: verossimilhança. A trama te envolve e te leva. E ponto.