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domingo, 31 de agosto de 2014

arte no sangue


Confesso que a ideia de um filme de vampiros, ainda que do Jarmusch, a princípio, me causou terror. Mas, diante da filmografia do diretor e de seu histórico cá comigo, com meu gosto pessoal, me decidi a um embarque ‘de olhos fechados’. Mestre da reinvenção de gêneros, Jim  Jarmusch, aqui, desdenhando de nossos paradigmas e histórico de fantasias de terror nos reconstrói uma história  de vampiros,  com charme e requintes. Não é terror, não é comédia, n’alguma espécie de paródia, é uma história contemporânea, misturando referências.  Adam e Eve (a Criação, na linha dark ?) são vampiros estetas.  Seres que fazem contrabando do banco de sangue, para nutrir suas demandas físicas e se alimentam, de fato, de arte – música e literatura.

Eve (Tilda Swinton, em excelente papel) é uma leitora, ávida devoradora de livros, literalmente. Requintados  romances de diferentes épocas.  Adam  (Tom Hiddleston) é um músico apaixonado , colecionador de instrumentos raros e discos clássicos, com alguma participação em diferentes momentos importantes da história da música (dada sua vida eterna).

Em ‘Amantes Eternos’, filme de Jim Jarmusch,  o que menos importa é a estória, a narrativa. Importam mais a maneira de contá-la, os personagens envolvidos e sua construção, seus amores, humores e referências.  A trilha sonora, a estética sombria e decadente compõem a plástica deste filme incomum.

A música é mais que trilha, é personagem, parte da história porque são vampiros musicais estes ( e de, e que,  bom gosto!)

As requintadas e históricas referências culturais e artísticas destes seres imortais, em tom prosaico, dão uma perspectiva interessante, de quem viveu séculos, milênios buscando na arte um significado maior para suas vidas. Os outros mortais, chamados de zumbis, têm a existência vazia, ligada a razões mundanas, vivendo em função do trabalho e absolutamente incapazes de qualquer relação com a beleza.

Jarmusch dá charme, elegância e lentes contemporâneas a esta fábula secular. Li, em algum canto da rede que, para ele, há no mundo um número limitado de histórias a serem contadas. O que muda, sempre e muito, é a maneira de contá-la. E nisto, o diretor se revela protagonista em sua história no cinema, transgredindo gêneros, reinventando-nos como regra.

Falando fluentemente a língua da música, Detroit, com sua forte e inovadora cena,  protagoniza sombriamente a trama. Em crise financeira, suas paisagens desoladas compõem bem o quadro decadente de vampiros elegantemente deprimidos que nos colocam a questão se a arte pode sobreviver à crise econômica. Qual o espaço da fruição, fora do mercado?

O sangue é, por fim, alimento essencial que, trazido de bancos de sangue, provoca também prazer. Uma sensação de completude, imagino  (lembrando de meus tempos de vampira(!!!). Mas é aí que pontuo meu último de muitos elogios ao roteiro original: verossimilhança. A trama te envolve e te leva. E ponto.  


domingo, 24 de agosto de 2014

trilhando poesia



Era história e era poesia; era Minas e era Drummond. Eram múltiplos contornos líricos/afetivos de muitos causos feitos poesia. “Nunca me esquecerei desses acontecimentos na vida de minas retinas tão fatigadas”. 

Minhas retinas, meus sentidos todos, minha percepção, acostumados  que estão ao modo ‘fast foward’ de São Paulo se deleitaram com as razões poéticas Drummondianas para ‘tudo-tanto’. Porque “o espírito de Minas me visita e sobre a confusão desta cidade onde voz e buzina se confundem, lança teu claro raio ordenador. Conserva em mim ao menos a metade do que fui de nascença e a vida esgarça”.




É que estávamos dia destes, eu, meu pai, minha mãe e minha avó, passeando pela poesia mineira. Visitávamos os caminhos Drummondianos, museu de território que evidencia a relação do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, com Itabira, sua origem e contexto poético, muitas vezes, trazendo à tona pessoas, fatos e locais, parte de sua vida, e, portanto, de suas palavras. É a confluência de seu cotidiano, sua geografia e sua poesia.



Ali conhecemos, com Elane Moreira, uma guia entusiasmada e conhecedora do universo em que nos conduzia, poética e historicamente, o Memorial Carlos Drummond de Andrade, obra do poeta das formas, por sua vez, Oscar Niemeyer. 



E fomos aprendendo, durante o dia, entre visita e outra a diversos pontos da cidade apontados como relevantes em sua vida e obra, que Drummond transformava seus tempos e movimentos em palavras, em tom maior. 



Arquiteto das palavras, ele fazia verso da vida como ela é para nós, em prosa. Sua poesia está nas esquinas, nas pessoas, no cotidiano itabirano. Em seu fascínio pela palavra, transformava a vida cotidiana em poesia.



“Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos…” Aprendemos também de sua fascinação pela palavra escrita. E nisto me identifiquei. A equação das palavras e os sentidos projetados.  Mágica, fascínio que também me excita e me conduz o lápis.Aquelas formas visuais curvas ou lineares , projetando sentidos, sentimentos, cores,  geografia, tempos e movimentos… E com Drummond, através de Drummond, parte forte do sentimento em torno de Minas.





“Quando vim de minha terra, se é que vim de minha terra”, aprendi a identificar e admirar os traços que nos dizem mineiros. Mas Itabira, Drummond e seus causos ora se confundem em meus significados. E permanecem em mim.