Rosa Montero, uma das referências que marca minha memória e
cujo livro dá nome a este blog, a certa altura afirma que nossa identidade
reside na memória. Hoje, posso dizer que
concordo absolutamente porque vivo isto, ao dia. AS memóriaS são peças fundamentais de nosso quebra cabeças identitário. Eu, que passei pelo extremo da absoluta privação feita lacuna
da memória, estou vivendo e confirmando tal fato. A ordem dos fatores é absolutamente
questionável, mas que memória e identidade se relacionam intensa e intimamente, se
definem, determinam, limitam ou se amplificam, isto hoje pauta e colore meus
dias.
Pauta através de ocorrências cotidianas, evidenciando sua
relação íntima, e me mostrando por A + B que são, os dois, memória e
identidade, parte de uma mesma equação na definição do eu. Colore ao me
presentear com o prazer extremado de me redescobrir e reconhecer em cada nuance
revelada pontualmente por uma memória, há tempos, reconstruindo seu caminho .Devagar,
e sem qualquer mapa por seguir, sem qualquer dica do que eu fazia, do que eu
seguia, vou me entregando a hábitos e
escolhas que já eram minhas. Já eram
parte do que sou.
Se minha identidade é quem vai me devolvendo a memória, por
me reconhecer novamente em pedaços de meus dias, em peças de teatro, em filmes,
em música, sobretudo, em arte, em pratos cozinhados, em leitura… Ver, ouvir, ler, e sentir uma conexão tão absoluta com tudo aquilo e assim, me
entregar de volta ao que já era parte de mim. Ou se a memória é que vai me devolvendo a
identidade, por me lembrar do que gostava e me entregar de volta a meus
prazeres de antes. São duas equações possíveis, fatos de meu dia a dia.
Voltar a viver coisas que sempre gostei, racionalmente, na
base da escolha consciente. Ou uma escolha inconsciente desaguando na memória
do prazer.
Enquanto alguém com vivência prática no tema, acredito,
hoje, na escolha inconsciente desaguando na memória do prazer. Por que vivo
isto quotidianamente. Começo a ouvir um som, viajar na música, na letra ou
arranjos e sou posteriormente informada que já curtia muito isto antes. Vejo um
filme e mergulho totalmente naquela linguagem. O filme me tira o chão. Na sequencia,
descubro que estava entre os meus favoritos. O paladar... experimentando um
prato, me identificando com os condimentos e especiarias, me informam que eu
gostava muito e já cozinhei, inclusive, para os amigos de prato e música, tão
frequentes, e essenciais, em meus dias.
E aí, a recíproca
passa a ser verdadeira. Você se certificou de que uma vez construída, a
identidade permanece. Então passa a
investir em tudo que te contam que você gostava ou que você ‘era’. Assim, me descobri detentora de um playground imenso
em termos de literatura, cinema, música, culinária. Tudo que faz parte do conjunto AVA. Tudo que
eu gostava, admirava, adorava e que eu sei que agora vou me entregar de novo.
Assim, minha conclusão é que é uma via de mão dupla. Memória atua na formação
da identidade e identidade atua muito na ‘re’constituição da memória e tudo
isto, junto e misturado, deságua em Guimarães Rosa, na minha definição
particular, meu marco pessoal identitário: EU SOU É EU MESMA, ponto de
exclamação!
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eu mesma! |