Translate

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

ALGUÉM TEM QUE OUVIR O CORAÇÃO

 

Ele começa se (in)definindo entre argentino e brasileiro. Nem um, nem outro. Ou um e outro. Não o reconhecem como nativo lá, tampouco aqui. Ou o reconhecem lá e aqui também. Ele é BABENCO em ALGUÉM TEM QUE OUVIR O CORAÇÃO E DIZER: PAROU

É um doc metalinguisticamente autobiográfico, dá para entender a redundância? Deixa eu explicar. Pensa comigo: um doc falando de si, porque é sobre a vida de um cineasta. Então, o protagonista Hector Babenco, que é co-diretor (na prática) junto a sua esposa, Bárbara Paz, está sempre trazendo o cinema e o doc, em si mesmos, para o centro da trama.

Sei que tá muito confuso. Deixa eu tentar simplificar de novo. Doc sobre um cineasta é um doc sobre o cinema. Cinema sobre cinema, pela biografia de um cineasta, vida e obra.

E um dos sabores mais fortes desta produção é ver o quanto vida e obra aí se misturam. Onde  acaba uma e começa a outra? O cinema, a vontade de viver e o estar vivo são indissociáveis, segundo o próprio.

Ele diz sempre ter tido uma confiança ilimitada em sua capacidade de ter sorte e sobreviver e a gente tira a prova em função dos seguidos prazos-limite de vida que lhe são dados por médicos, em hospitais e até países diferentes. E ele segue por cerca de 30 – TRINTA – anos sobrevivendo.

Seus prazos não superavam nunca o ano corrente, então. Falavam de, no máximo, mais um ano. E ele passava e seguia vivo por vários seguintes.

A cumplicidade desenvolvida entre ele e Bárbara – dividindo o filme e dividindo a morte dele, é algo enorme. Ele dirige a própria morte. E a cena que ela faz de si mesma, sem ser spoiler, é catártica. Só.

Plasticamente, o filme é lindo, fotografia, P&B, seleção de imagens, tudo conspira junto aos significados que o filme exala explorando vida e obra do cara, por ele mesmo, consciente e poeticamente.

Lidando conscientemente com o avanço progressivo da doença e a perda de capacidades e funções, mexe com a gente no questionamento da extensão e da força do humano.

Ao passo que vídeo-registros de suas conversas com equipes de vários filmes de sua autoria, clássicos de nossa cinematografia, nos dão uma boa visão de seu papel na direção e de suas escolhas nos roteiros, na luz, nas falas, nos ângulos, nas cores, nas expressões, em TUDO.

Sei bem que estou hiperbólica, mas deixa ser, deixa estar, é o que sinto e aos meus olhos de agora o doc nos deixa a impressão de onipotência e onipresença de um diretor como ele. Representa uma espécie de Deus de um universo e tempo delimitados.

“Estou morrendo, mas meu coração não quer parar. Quer continuar.”

As cenas inicial e final, com imagens de Hong Kong, trilhadas por BREATHE – RADIOHEAD, me tocaram particularmente, apesar das críticas que li da desarticulação destas escolhas. Para mim, não, e o cinema, além da produção autoral e significados na origem, é cada um que o vê e todo seu hipertexto cognitivo. Ele faz menção a Hong Kong que, junto aos significados da música – Breathe, Exit Music for a Film -  diz tudo e mais, só no nome, para mim.

Ele morreu como viveu. Filmando, till the end – exit music for a film.

Em cartaz no YouTube e no Google Play

 

#cinema #documentario #documentariobiografico #hectorbabenco #babenco #barbarapaz #metaliguagem #autobiografico #radiohead #breath #exitmusicforafilm #cumplicidade #alguemtemqueouvirocoraçãoedizerparou


Nenhum comentário:

Postar um comentário