Ele começa se (in)definindo entre argentino e brasileiro.
Nem um, nem outro. Ou um e outro. Não o reconhecem como nativo lá, tampouco aqui. Ou
o reconhecem lá e aqui também. Ele é BABENCO em ALGUÉM TEM QUE OUVIR O CORAÇÃO
E DIZER: PAROU
É um doc metalinguisticamente autobiográfico, dá para
entender a redundância? Deixa eu explicar. Pensa comigo: um doc falando de si,
porque é sobre a vida de um cineasta. Então, o protagonista Hector Babenco, que
é co-diretor (na prática) junto a sua esposa, Bárbara Paz, está sempre trazendo o cinema e
o doc, em si mesmos, para o centro da trama.
Sei que tá muito confuso. Deixa eu tentar simplificar de novo. Doc
sobre um cineasta é um doc sobre o cinema. Cinema sobre cinema, pela biografia de um cineasta, vida e obra.
E um dos sabores mais fortes desta produção é ver o quanto
vida e obra aí se misturam. Onde acaba
uma e começa a outra? O cinema, a vontade de viver e o estar vivo são
indissociáveis, segundo o próprio.
Ele diz sempre ter tido uma confiança ilimitada em sua
capacidade de ter sorte e sobreviver e a gente tira a prova em função dos
seguidos prazos-limite de vida que lhe são dados por médicos, em hospitais e até
países diferentes. E ele segue por cerca de 30 – TRINTA – anos sobrevivendo.
Seus prazos não superavam nunca o ano corrente, então. Falavam de, no máximo, mais um ano. E ele
passava e seguia vivo por vários seguintes.
A cumplicidade desenvolvida entre ele e Bárbara – dividindo
o filme e dividindo a morte dele, é algo enorme. Ele dirige a própria morte. E a cena que ela faz de si mesma, sem ser spoiler, é catártica. Só.
Plasticamente, o filme é lindo, fotografia, P&B, seleção
de imagens, tudo conspira junto aos significados que o filme exala explorando vida e obra do cara, por ele mesmo, consciente e poeticamente.
Lidando conscientemente com o avanço progressivo da doença e
a perda de capacidades e funções, mexe com a gente no questionamento da
extensão e da força do humano.
Ao passo que vídeo-registros de suas conversas com equipes de vários
filmes de sua autoria, clássicos de nossa cinematografia, nos dão uma boa visão
de seu papel na direção e de suas escolhas nos roteiros, na luz, nas falas, nos
ângulos, nas cores, nas expressões, em TUDO.
Sei bem que estou hiperbólica, mas deixa ser, deixa estar, é
o que sinto e aos meus olhos de agora o doc nos deixa a impressão de
onipotência e onipresença de um diretor como ele. Representa uma espécie de Deus de um
universo e tempo delimitados.
“Estou morrendo, mas meu coração não quer parar. Quer
continuar.”
As cenas inicial e final, com imagens de Hong Kong, trilhadas por BREATHE – RADIOHEAD, me tocaram particularmente, apesar das
críticas que li da desarticulação destas escolhas. Para mim, não, e o cinema,
além da produção autoral e significados na origem, é cada um que o vê e todo seu hipertexto
cognitivo. Ele faz menção a Hong Kong que, junto aos significados da música – Breathe,
Exit Music for a Film - diz tudo e mais,
só no nome, para mim.
Ele morreu como viveu. Filmando, till the end – exit music
for a film.
Em cartaz no YouTube e no Google Play
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