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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

des-memória x identidade

Uma parte saborosa de meus repetidos e permanentes resgates são aqueles relativos à emoção. Já faz algum tempinho que tenho conseguido me ‘devolver’ às emoções. E é, sem dúvida, um resgate que se amplia ao dia. No início era algo muito 'vezenquando' mas, com o tempo, foi ganhando espaço. Hoje, a emoção tomou um espaço para si dentro de mim e se fez rainha. Espaço que era dela antes de tudo. Vez por outra me toma por inteiro, me aperta o coração e me traz muitas lágrimas. E que resgate catártico, este. Tendo passado por tudo que passei, batendo à porta do além e todas as dificuldades posteriores, eu não chorava e não me emocionava nunca. E um choro nascido de apertos no peito, subindo entre engasgos muitos e provocando uma congestão de lágrimas nos olhos tem uma força catártica.

Fiquei deveras fragilizada dia desses por cogitar a possibilidade de alguma consciência durante o coma... Já andei, inclusive, espalhando palavras (e lágrimas também, claro) sobre o tema, sobre todas as emoções que esta possibilidade despertou em mim.Tanta lágrima que eu, naqueles dias, não me reconhecia.

Mas com o relógio dando suas voltas, o sol indo e vindo, com o virar das folhinhas d’algum calendário Mariano por aí, enfim, esta tristeza cravada na incompreensão e n’algum medo do desconhecido foi me deixando.

Mas aí, esta semana, me envolvi muito em temas e buscas e resgates relativos à memória e fui, outra vez, fisgada pela emoção. A da espécie convulsa. Lendo emails e cartas antigas, textos meus enviados a todos desde sempre, daqueles com o campo para, com cópia e com cópia oculta congestionado. Também pedaços de livros, daqueles cheios de significados pessoais. Me dedicando a películas vistas e aplaudidas por dentro, na linguagem, na estética e no enredo. Esta fase, digamos, ‘artística’ de meus resgates foi o suficiente para que meu choro voltasse convulso...

Na casa dos livros, me descobri portadora de uma super biblioteca por RE-ler. Biblioteca da qual minha lembrança me serve como uma espécie de validação, para o caso de querer reler. Sei o que mais gostei e guardo alguma referência do estilo, do tom, da linguagem. Mas aí estaciona o processo de lembrança. Sei que adorava Guimarães Rosa, Caio Fernando Abreu, José Saramago, Xico Sá, Carpinejar, Pessoa e por aí vai... Guardo alguma lembrança do estilo de cada um deles e sei dizer, de alguns poucos deles, em linhas gerais, do que tratam. Bem poucos e algumas poucas vezes.

E é, neste ponto, uma delícia reaprender a saborear estilos já conhecidos, de certa forma notórios mas não lembrados na prática. Lembrar RE-descobrindo de uma ‘neologização’ do Guimarães Rosa, a falta de pontuação ou de regras sintáticas, a mistura de discurso direto e indireto, tudo junto ao mesmo tempo agora, do José Saramago. O repertório contemporâneo do referências do Xico Sá e seus temas tradicionais tratados contemporaneamente ou seus temas contemporâneos tratados tradicionalmente. Re-descobrir, RE-aprender e assim resgatar lembranças de estilo. Reconstruí-las todas.

No caso do cinema, minhas lembranças são muito menores. Talvez em virtude do simples caráter temporal. Passei duas horas dentro destas histórias compactadas. Por mais que as tenha amado, duas, ou, quando muito, três horas. Já no caso dos livros, não se resolveram em uma sentada, como os filmes. Foram várias sentadas. A depender do volume em questão, claro. Mas envolvia também resgates periódicos... Todos os dias, ao me sentar para dar continuidade a uma leitura, acontecia um trabalho (involuntário e natural) de resgate do que eu já havia lido. E com o passar das páginas, este resgates iam se multiplicando.

Mas nos filmes, não... Uma vez, para sempre. Ou duas quando o filme pediu bis, vá lá... Mas em geral não voltei a me ver no meio daquela trama, daqueles personagens e suas ‘sem’ razões de ser novamente. Me afastei de todas as nuances daquele roteiro. Quando muito, ficou a trilha sonora a se repetir, vez por outra, Rodésia afora.

O filme se tornou uma realidade distante novamente. Em geral, a senhorita minha memória alcança quem é o diretor do filme, elenco principal e uma espécie de validação pessoal: gostei? A sinopse, roteiro, the storyboard, o guião, como queiram, nunca me lembro ... nada, nunca! E estou investindo na reconstrução da história de um gosto, de um prazer. Me listaram alguns dos filmes que mais gostei. E vou RE-vendo alguns deles e me descobrindo ali dentro. A emoção, pulsação, a razão, um deja-vú indescritível... porque do fato e das sensações que o circundam…

Não imaginei que pudesse sentir tanto em palavras, em textos, emails, filmes e afins, que eu sou eu, after all! Mesmo depois de tudo que vivi e da desmemoria intensa e extensa, o que me tornei com o tempo, ninguém tira de mim... já fez raiz no peito e nas vísceras todas. Ainda que ocultos, são fatores determinantes nas minhas opiniões e decisões desde sempre. Na minha formação e nos (des)caminhos de minha vida. Esta é uma característica que, hoje, vejo (e sinto e vivo) que não há cérebro afetado em traumatismo, o lo que sea, que nos leve, nos bloqueie, nos tire. Porque, ainda que esquecidos, ainda que ocultos, todos estes textos, filmes, músicas, livros, pensamentos, discussões, opiniões, todos eles estão lá, qual tijolos, na construção de minha personalidade, me alicerçando e construindo isto que soy. Myself, yo, je, EU.

Com estes e outros resgates, todos, um sem número deles, vou me reconstruindo emocionalmente e aprendendo que o que está em mim, está solidificado, e enraizado e só preciso de tempo para me trazer tudo de volta. E em meus dias tenho me valido muito do tempo e das incontáveis mãos estendidas em minha direção buscando me proporcionar toda sorte de resgates para aumentar a base deste meu quebra cabeças de vida.

Quebra cabeças que, com o tempo, se revela infinito. Quanto mais vou aprendendo, re-lembrando, resgatando da antiga Poliana, vou somando novas peças e aprendendo que uma nova Poliana pede seu espaço. São novas peças que me trazem processo tão intenso de aprendizado. E sigo ampliando-no, somando peças outras porque estes resgates têm se revelado uma escola, uma terapia. Um crescimento. Com tantas e variadas lembranças e resgates, olho para mim, me reconheço e cresço. Me reconheço e somo. Me reconheço e vou além.

Devagar vou ganhando e formando meus olhos de antes e fazendo-nos maiores. Estou, sim, aprendendo que eu sou eu desde sempre! Que sou assim e sigo assando... meus gostos, meus prazeres, meus sentimentos, meus emails paratodos... Mas que ganhei, além de tudo, um OUTRO olhar. Outro ângulo. Um outro aprendizado somando novos sentimentos, novas reações, outra moral da história!

Que não há desmemoria que apague um hipertexto cognitivo... que ele segue enraizado e produzindo novos e diferentes frutos... Segue desenhando reações, me conduzindo por caminhos, construindo novos descaminhos e me guiando por este labirinto que chamam VIDA.

4 comentários:

  1. Poli, não conhecia o seu blogue. Fiquei com os olhos marejados de boa emoção ao ler sobre seu processo de re-vivência. Lembrei de muitos momentos gostosos que tivemos juntos, a maior parte etílico-culinários. Sempre com muita amizade, e nenhum outro compromisso. Gosdimais docê, viu? Um beijo enorme!

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  2. Seu re-aprendizado, sua re-vivência e, principalmente, suas re-descobertas despertam em nós re-admiração, re-formulações e re- valorização referentes a vc.
    Márcia Araújo

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  3. Teus textos carregam doses generosas de sensibilidade e convulsas pulsões de vida !!!
    Sua incansável busca... esse exercício maravilhoso de se "olhar para dentro"... e se permitir a viver tão intensamente...
    Isso Sim, é VIVER !!!
    Breno Muniz

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  4. ameitudinhuisso bjo
    Ivonete Correa

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