Era a expressão literal, clara e legítima do que conhecemos por cultura popular. Nove mulheres; melhor, oito senhoras e uma menina, neta de uma delas; vertendo dignidade dentro de suas fantasias/uniformes nos embalavam com seus cânticos de trabalho, parte e um nosso cancioneiro popular e doméstico, cuja origem se perdeu, nas águas e no tempo.
Elas são, originalmente e ainda, lavadeiras do rio Jequitinhonha, da cidade de Almenara, nordeste de Minas, que
acharam na cantoria uma saída para dar um tom lúdico a um afazer, no comum dos
dias, duro e árduo.
Assim, cantam o que são, em sua maioria, canções de domínio
público. Cânticos de trabalho, lúdicos ou de louvação fazem a trilha feita por
elas, lavadeiras, enquanto desencardem e quaram quilos e mais quilos de roupa.
Estariam fadadas ao anonimato, e suas canções ao
esquecimento, não houvesse as visto e parado a atenção nelas, um Carlos
Farias. Músico e compositor, psicólogo
de formação, trabalhando à época na
implantação de projeto profissionalizante, uma lavanderia comunitária, em
Almenara, ele ali as escutou
cantarolando canções que o levaram à sua infância. Escutou, se encantou e foi o que bastou.
Nascia ali a ideia do Coral. Hoje, cerca de quarenta
mulheres ganham seu pão lavando roupas
na lavanderia comunitária de Almenara e dez delas têm um incremento na renda
com a cantoria e algumas são também benzedeiras.
E a arte das lavadeiras cantoras, e eventualmente
benzedeiras, em repertório constituído majoritariamente por elementos sincréticos da religiosidade
popular, em canções de domínio público, despertou o interesse do público e da
imprensa. Um bom exemplo de inclusão
social pela arte.
As letras de seus cânticos carregam uma sabedoria popular própria
de seu universo. Cantadas, todas, com um sorriso fácil no rosto, legado de
auto-estima e inclusão do projeto,
descrito por Carlos Farias Vale, idealizador e componente. “Eu nunca pensava
que eu, um dia, servia pra isso!”, enfatiza uma delas, no palco, confirmando um
nosso olhar sobre o legado ali sugerido há pouco.
Aquelas senhoras todas dançando, balançando saias e
aventais, nos carregavam em seu balanço ali no SESC Pompéia. Elas se apresentavam junto a Carlos Farias e com participação
espacial de Saulo Laranjeira, apresentando ‘Devoção’, um seu novo trabalho,
fortemente constituído por elementos sincréticos.
A Participação de Saulo Laranjeira com seus ‘causos’
literados, destacando e valorizando um pouco disso tudo que somos todos,
brasileiros, justifica o título com que foi apresentado: “um dos maiores
intérpretes de nossa brasilidade.
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