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domingo, 9 de fevereiro de 2014

lava roupa todo dia...




Era a expressão literal, clara e legítima do que conhecemos por cultura popular. Nove mulheres; melhor,  oito senhoras e uma menina, neta de uma delas; vertendo dignidade dentro de suas fantasias/uniformes nos embalavam com seus cânticos de trabalho, parte e um nosso cancioneiro popular e doméstico, cuja origem se perdeu, nas águas e no tempo.

Elas são, originalmente e ainda, lavadeiras do rio Jequitinhonha,  da cidade de Almenara, nordeste de Minas, que acharam na cantoria uma saída para dar um tom lúdico a um afazer, no comum dos dias, duro e árduo.

Assim, cantam o que são, em sua maioria, canções de domínio público. Cânticos de trabalho, lúdicos ou de louvação fazem a trilha feita por elas, lavadeiras, enquanto desencardem e quaram quilos e mais quilos de roupa.

Estariam fadadas ao anonimato, e suas canções ao esquecimento, não houvesse as visto e parado a atenção nelas, um Carlos Farias.  Músico e compositor, psicólogo de formação, trabalhando  à época na implantação de projeto profissionalizante, uma lavanderia comunitária, em Almenara, ele ali as escutou cantarolando canções que o levaram à sua infância. Escutou, se encantou e  foi o que bastou.

Nascia ali a ideia do Coral. Hoje, cerca de quarenta mulheres  ganham seu pão lavando roupas na lavanderia comunitária de Almenara e dez delas têm um incremento na renda com a cantoria e algumas são também benzedeiras.

E a arte das lavadeiras cantoras, e eventualmente benzedeiras, em repertório constituído majoritariamente  por elementos sincréticos da religiosidade popular, em canções de domínio público, despertou o interesse do público e da imprensa.  Um bom exemplo de inclusão social pela arte.

As letras de seus cânticos carregam uma sabedoria popular própria de seu universo. Cantadas, todas, com um sorriso fácil no rosto, legado de auto-estima e inclusão do  projeto, descrito por Carlos Farias Vale, idealizador e componente. “Eu nunca pensava que eu, um dia, servia pra isso!”, enfatiza uma delas, no palco, confirmando um nosso olhar sobre o legado ali sugerido há pouco.

Aquelas senhoras todas dançando, balançando saias e aventais, nos carregavam em seu balanço ali no SESC Pompéia.  Elas se apresentavam  junto a Carlos Farias e com participação espacial de Saulo Laranjeira, apresentando ‘Devoção’, um seu novo trabalho, fortemente constituído por elementos sincréticos.

A Participação de Saulo Laranjeira com seus ‘causos’ literados, destacando e valorizando um pouco disso tudo que somos todos, brasileiros, justifica o título com que foi apresentado: “um dos maiores intérpretes de nossa brasilidade.

Um show do tamanho do Brasil que somos todos … e outros… e mais!

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