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sábado, 20 de janeiro de 2018

dois pesos, duas medidas




Funciona assim: para um assunto, situação ou ocasião muito similar a uma outra qualquer, você tem dois tratamentos opostos, absolutamente distintos; díspares até!

Acontece nas melhores famílias;  já aconteceu comigo algumas vezes, mas a última me marcou pelos contextos e nuances justificativas que ela trouxe consigo.

Não sei se vocês, leitores contumazes da Louca, sabem, mas eu tive um acidente grave há alguns anos atrás. Um troço brabo mesmo! Sou deveras reservada neste assunto por temer me expor e me prejudicar de alguma forma (só que não!!! ;-). Mas hoje, assumindo a Louca que há em mim, resolvi tratar do tema, sem reservas, em sua relação com outro tema, porque conectei os dois e fiquei me perguntando porque agi de maneira tão dispare em situações assim, deveras assemelhadas!

Depois do acidente, depois de um ano de fisioterapia intensiva, depois de muito me recuperar e melhorar, as pessoas ao meu redor diziam (e ainda dizem) que eu ‘manco’, ou piso descompensadamente, ou forço a perna ou qualquer coisa que denote alguma dificuldade na marcha. Bem, o caso é que eu não noto, mas TODO  mundo ao meu redor me conta assim. Então, deve ser verdade!

Recorrentemente, pessoas que não me conhecem  e não sabem o que me faz, como dizem, forçar a perna tão tanto, me oferecem ajuda, me oferecem assento, me oferecem uma mão. No ônibus, no metrô, no supermercado, no taxi, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha se sapê... ;-) E aí, marcada ou  condicionada, sei lá, pelas limitações e possibilidades que este acidente um dia me impôs e querendo provar o contrário e sair delas, mostrando que eu podia e conseguia tudo, SEMPRE negava. Ficava entre indignada e desentendida. Indignada por não sentir e não exibir, na minha percepção, as limitações enxergadas por todos e desentendida porque nunca notei nenhuma deficiência em mim ( e não noto até hoje ).

Senhoras no metrô já se levantaram para me dar lugar em assentos reservados. Metrô, ônibus e fila de táxi. Pessoas me questionando se preciso de ajuda em supermercados ou em suas saídas. Em bancos e aeroportos, me mostravam sempre a passagem sem fila. Nunca aceitei e nunca entendi. Mesmo quando, ainda de bengala, queria me mostrar capaz da fila, do ônibus, do metrô, das compras. Como disse, não enxergo minhas deficiências e queria que todos vissem que sim, eu posso sim!

Aí, passa tempo, passa hora, tic tac, tic tac e eu fico grávida.  Aí o quadro virou. Me flagrei pedindo assento prioritário, pedindo para não enfrentar fila, não ficar na fila de espera oficial de algum algo. Não enfrentava fila de cinema, fila de ingresso, fila de show, fila de abertura de exposição de arte, dobrando quarteirão, fila de check in, fila de banco, fila de nada. Aceitava ajuda em supermercados e sacolões; sessão de assento em ônibus , metrô e sala de espera de qualquer coisa. “Sou errada, sou errante, sempre na estrada, sempre distante”... ah, você não deveria, alguns diziam, mas EU não tava nem aí eu tava grávida, porra!

Aí um dia, coloquei as duas atitudes na minha frente e me perguntei porque tão diferente assim. E concluí que tudo se deve a uma questão matemática. Duas, na verdade! Uma subtração e uma soma.  Nas situações pós acidente, eu não era eu. Não era eu inteira. Me faltavam pedaços, partes, faculdades e habilidades. Não era uma soma de fatores inteiros, mas era, muitas vezes, de fatores negativos, uma subtração, talvez. E eu queria provar que não, que eu estava lá, que era eu, que eu fazia, que eu podia. Nas situações grávida, eu estava lá, era eu, inteira e ainda tinha mais de mim aqui dentro, outros pedaços outras razões. Eu me igualava a outras mulheres e queria fazer valer um direito que, em outros tempos, nem defenderia, não encontrando razão de ser para esta suposta fragilidade, esta condição preferencial. Uma soma de dois!

E aí com os dois pesos nas mãos, diante dos meus olhos, consciência e razão, entendi que, enquanto a preferência era devida em função de uma suposta deficiência ou inabilidade, a subtração; eu não queria, não aceitava não fazia, queria provar o contrário, mas quando foi em razão de uma soma, de um estado ou qualidade, característico da condição feminina, eu queria, eu reclamava eu buscava!

Eu queria era ser igual. Não às benesses que alguma deficiência que me fazia diferente e ‘especial’, portadora de necessidades e sim a todas as possíveis preferências e regalias que uma condição tão humanamente superior me trazia. A maternidade! Porque eu sou é eu mesma... igual, mas diferente!

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