Funciona assim: para um assunto, situação ou ocasião muito similar a uma outra qualquer, você tem dois tratamentos opostos, absolutamente distintos; díspares até!
Acontece nas melhores famílias; já aconteceu comigo algumas vezes, mas a
última me marcou pelos contextos e nuances justificativas que ela trouxe
consigo.
Não sei se vocês, leitores contumazes da Louca, sabem, mas
eu tive um acidente grave há alguns anos atrás. Um troço brabo mesmo! Sou
deveras reservada neste assunto por temer me expor e me prejudicar de alguma forma
(só que não!!! ;-). Mas hoje, assumindo a Louca que há em mim, resolvi tratar
do tema, sem reservas, em sua relação com outro tema, porque conectei os dois e
fiquei me perguntando porque agi de maneira tão dispare em situações assim,
deveras assemelhadas!
Depois do acidente, depois de um ano de fisioterapia
intensiva, depois de muito me recuperar e melhorar, as pessoas ao meu redor
diziam (e ainda dizem) que eu ‘manco’, ou piso descompensadamente, ou forço a
perna ou qualquer coisa que denote alguma dificuldade na marcha. Bem, o caso
é que eu não noto, mas TODO mundo ao meu
redor me conta assim. Então, deve ser verdade!
Recorrentemente, pessoas que não me conhecem e não sabem o que me faz, como dizem, forçar
a perna tão tanto, me oferecem ajuda, me oferecem assento, me oferecem uma mão.
No ônibus, no metrô, no supermercado, no taxi, na rua, na chuva, na fazenda ou
numa casinha se sapê... ;-) E aí, marcada ou
condicionada, sei lá, pelas limitações e possibilidades que este
acidente um dia me impôs e querendo provar o contrário e sair delas, mostrando
que eu podia e conseguia tudo, SEMPRE negava. Ficava entre indignada e
desentendida. Indignada por não sentir e não exibir, na minha percepção, as
limitações enxergadas por todos e desentendida porque nunca notei nenhuma
deficiência em mim ( e não noto até hoje ).
Senhoras no metrô já se levantaram para me dar lugar em
assentos reservados. Metrô, ônibus e fila de táxi. Pessoas me questionando se
preciso de ajuda em supermercados ou em suas saídas. Em bancos e aeroportos, me
mostravam sempre a passagem sem fila. Nunca aceitei e nunca entendi. Mesmo
quando, ainda de bengala, queria me mostrar capaz da fila, do ônibus, do metrô,
das compras. Como disse, não enxergo minhas deficiências e queria que todos
vissem que sim, eu posso sim!
Aí, passa tempo, passa hora, tic tac, tic tac e eu fico
grávida. Aí o quadro virou. Me flagrei
pedindo assento prioritário, pedindo para não enfrentar fila, não ficar na fila de espera oficial de algum algo. Não enfrentava fila de cinema, fila de ingresso, fila de show, fila
de abertura de exposição de arte, dobrando quarteirão, fila de check in, fila
de banco, fila de nada. Aceitava ajuda em supermercados e sacolões; sessão de
assento em ônibus , metrô e sala de espera de qualquer coisa. “Sou errada, sou
errante, sempre na estrada, sempre distante”... ah, você não deveria, alguns
diziam, mas EU não tava nem aí eu tava grávida, porra!
Aí um dia, coloquei as duas atitudes na minha frente e me
perguntei porque tão diferente assim. E concluí que tudo se deve a uma questão
matemática. Duas, na verdade! Uma subtração e uma soma. Nas situações pós acidente,
eu não era eu. Não era eu inteira. Me faltavam pedaços, partes, faculdades e
habilidades. Não era uma soma de fatores inteiros, mas era, muitas vezes, de
fatores negativos, uma subtração, talvez. E eu queria provar que não, que eu estava lá, que era eu,
que eu fazia, que eu podia. Nas situações grávida, eu estava lá, era eu,
inteira e ainda tinha mais de mim aqui dentro, outros pedaços outras razões. Eu
me igualava a outras mulheres e queria fazer valer um direito que, em outros
tempos, nem defenderia, não encontrando razão de ser para esta suposta
fragilidade, esta condição preferencial. Uma soma de dois!
E aí com os dois pesos nas mãos, diante dos meus olhos,
consciência e razão, entendi que, enquanto a preferência era devida em função
de uma suposta deficiência ou inabilidade, a subtração; eu não queria, não aceitava não
fazia, queria provar o contrário, mas quando foi em razão de uma soma, de um
estado ou qualidade, característico da condição feminina, eu queria, eu
reclamava eu buscava!
Eu queria era ser igual. Não às benesses que alguma deficiência que me fazia diferente e ‘especial’, portadora de necessidades e sim a todas as possíveis preferências e regalias que uma condição tão humanamente superior me trazia. A maternidade! Porque eu sou é eu mesma... igual, mas diferente!
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