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domingo, 27 de setembro de 2020

Viagem no tempo com Narciso em Férias

Revisitando país na ditadura militar pelas palavras de Caetano Veloso, sobre sua prisão durante o regime, documentário fala do Brasil atual nas entrelinhas

Dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, Narciso em Férias, documentário com  Caetano Veloso, nos fala de sua prisão, junto a Gilberto Gil, revisitando o Brasil da ditadura militar, poucos dias após a decretação do AI5.

Fechados com ele sozinho, diante de um paredão cinza, ao longo de todo o doc, temos a exata ideia de como aqueles dois meses lhe pareceram a vida inteira, acordando e dormindo preso, e reduzindo-lhe, portanto, a ideia de vida. Alternando, somente, movimentos de câmera, a potência da história contada por Caetano, é revelada, variando entre ele ser seu foco absoluto, com o zoom fechado em seu rosto e retratando-o personagem das engrenagens arbitrárias de um sistema, pequeno entre as grandes muralhas circundantes.

Personagem e cenário únicos não reduzem a força de sua narrativa. Sem quaisquer imagens referenciais, históricas, jornalísticas, o doc não nos deixa escape. É Caetano, as arbitrariedades da ditadura e nós. E o doc ganha encaixe especial diante da situação política atual do país e do flerte da cúpula do poder com o militarismo e seus desmandos generalizados.

E a gente não pisca o olho. É denúncia, pelo fato histórico que descreve; é humor, pela maneira que ele lida com algumas lembranças e resgates, rindo de si e é poesia, porque é Caetano!

O documentário mostra a história e contexto de sua prisão imersos no Caetano que ele é e na poesia que carrega. Ele na cadeira, a câmera e os muros cinza ao redor. Li em alguma resenha ou reportagem uma alusão ao Processo de Kafka, em que Joseph K é levado e processado, desconhecendo as razões. E os muros cinza que o circundam ali, na entrevista, decoram mesmo o tom kafkiano da narrativa, e nos encerram no Processo, ao revelar que nem ele ou Gil foram informados, em momento algum, porque estavam sendo presos.

Narciso em Férias, o título do documentário, é o mesmo do capítulo de seu livro ‘Verdade Tropical’, no qual registra esta passagem de sua trajetória e seu depoimento todo é muito comovente. Ao lado das denúncias, têm força nas palavras de Caetano, experiência viva da história e o peso significativo da poesia que carrega. Caetano denuncia, sim, as atrocidades daquele período, mas também nos emociona, não só com o peso histórico de tudo, mas com seu olhar e sua passagem por esta história.

Momento especial de Narciso em Férias, o entrevistador passa a Caetano um exemplar da revista Manchete de então, estampando fotos da Terra, tiradas pela primeira missão lunar, que ele viu, quando estava preso. Tomado pela emoção, ele reconhece a foto: "É essa mesmo…", balbucia, de voz embargada e feições emocionadas, lembrando-se do momento em que viu “pela primeira vez, as tais fotografias”.

“Quando eu me encontrava preso
Na cela de uma cadeia
Foi que eu vi pela primeira vez
As tais fotografias
Em que apareces inteira
Porém lá não estavas nua
E sim, coberta de nuvens

Terra, terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?”

Pausa para respirar...

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