Revisitando país na ditadura militar pelas palavras de Caetano Veloso, sobre sua prisão durante o regime, documentário fala do Brasil atual nas entrelinhas
Dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, Narciso em Férias, documentário com Caetano Veloso, nos fala de sua prisão, junto a Gilberto Gil, revisitando o Brasil da ditadura militar, poucos dias após a decretação do AI5.
Fechados com ele sozinho, diante de um paredão cinza, ao
longo de todo o doc, temos a exata ideia de como aqueles dois meses lhe
pareceram a vida inteira, acordando e dormindo preso, e reduzindo-lhe,
portanto, a ideia de vida. Alternando, somente, movimentos de câmera, a potência
da história contada por Caetano, é revelada, variando entre ele ser seu foco
absoluto, com o zoom fechado em seu rosto e retratando-o personagem das
engrenagens arbitrárias de um sistema, pequeno entre as grandes muralhas
circundantes.
Personagem e cenário únicos não reduzem a força de sua
narrativa. Sem quaisquer imagens referenciais, históricas, jornalísticas, o doc
não nos deixa escape. É Caetano, as arbitrariedades da ditadura e nós. E o doc
ganha encaixe especial diante da situação política atual do país e do flerte da
cúpula do poder com o militarismo e seus desmandos generalizados.
E a gente não pisca o olho. É denúncia, pelo fato histórico
que descreve; é humor, pela maneira que ele lida com algumas lembranças e
resgates, rindo de si e é poesia, porque é Caetano!
O documentário mostra a história e contexto de sua prisão
imersos no Caetano que ele é e na poesia que carrega. Ele na cadeira, a câmera
e os muros cinza ao redor. Li em alguma resenha ou reportagem uma alusão ao
Processo de Kafka, em que Joseph K é levado e processado, desconhecendo as
razões. E os muros cinza que o circundam ali, na entrevista, decoram mesmo o
tom kafkiano da narrativa, e nos encerram no Processo, ao revelar que nem ele
ou Gil foram informados, em momento algum, porque estavam sendo presos.
Narciso em Férias, o título do documentário, é o mesmo do
capítulo de seu livro ‘Verdade Tropical’, no qual registra esta passagem de sua
trajetória e seu depoimento todo é muito comovente. Ao lado das denúncias, têm
força nas palavras de Caetano, experiência viva da história e o peso significativo
da poesia que carrega. Caetano denuncia, sim, as atrocidades daquele período,
mas também nos emociona, não só com o peso histórico de tudo, mas com seu olhar
e sua passagem por esta história.
Momento especial de Narciso em Férias, o entrevistador
passa a Caetano um exemplar da revista Manchete de então, estampando
fotos da Terra, tiradas pela primeira missão lunar, que ele viu, quando estava
preso. Tomado pela emoção, ele reconhece a foto: "É essa mesmo…",
balbucia, de voz embargada e feições emocionadas, lembrando-se do momento em
que viu “pela primeira vez, as tais fotografias”.
“Quando eu me encontrava preso
Na cela de uma cadeia
Foi que eu vi pela primeira vez
As tais fotografias
Em que apareces inteira
Porém lá não estavas nua
E sim, coberta de nuvens
Terra, terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?”
Pausa para respirar...
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