Os conflitos dos entes de uma família, iguais, mas
diferentes, cativam, via identidade
Flashes do contexto de cada ente familiar, ao princípio, já
me fisgaram por mostrar a inteireza da história de uma família negra protagonizando,
reunindo diferentes personalidades e rotinas, dignas, humanas escapando aos
clichês das narrativas que delegam aos negros papeis secundários, criminosos ou
estereotipados.
Nos papeis principais, a família inteira, pai, mãe, filho e
filha, e seus diferentes fragmentos de sentido compõem a narrativa.
Um roteiro polissêmico. Cada qual com sua frustração,
contradição, dor e delicia. Todos enfrentando as dificuldades de uma família
negra, classe média baixa, em um Brasil em tempos de Bolsonaro, o que a
televisão da família não nos deixa escapar e confrontar com os sentidos que emergem
de tal cenário sociopolítico.
O filho quer ser um astrofísico, a filha é uma ....
homossexual (não me lembro de indicarem a profissão ou qualquer outra
característica identitária), a mãe uma doméstica e o pai um porteiro. Daí se
irradiam múltiplos conflitos e sentidos, que bem conversam entre si. E conosco.
A trilha sonora reflete bem esta polissemia e também dialoga
com o filme, personagens e sua trama pessoal. Indo do funk ao samba, os
personagens traçam sua história particular na medida de seus sonhos, dos mais
terrenos e cotidianos aos intergalácticos.
Como a mãe diarista, que precisa de mais clientes; a filha
homossexual que quer sair de casa e morar com sua amante ou o pai que sonha com
uma carreira futebolística estelar para seu pequeno, que sonha, este, visitar
outro planeta, através da missão espacial, Marte 1!
Este filme sensível e polissêmico me conectou imediatamente
a uma frase que li por aí: existe um universo em cada casa. Sua abordagem de
relações familiares em sua inteireza nos posiciona como que defronte a um
espelho, apesar de todas as diferenças ali retratadas. É uma família, tão peculiar quanto a nossa,
quanto todas. Igual, mas (muito) diferente.
Merece nota a cumplicidade dos irmãos, dentro de seus
infinitos particulares. Nada parecidos, em nada, um se identifica na diferença
do outro e ponto. E isto é suficiente para se entenderem plenamente.
Obstáculos, dilemas e travessias de relações humanas guardam
uma dignidade muito forte pela simples identidade. Todos temos conflitos
internos (e externos) e tendemos a nos reconhecer na dificuldade do outro.
É tão bom sentir que a gente cabe no mundo, fala sério?
Marte 1, com direção de Gabriel Martins, teve sua estreia internacional no Festival de Sundance e foi o filme brasileiro escolhido para concorrer à vaga nos candidatos ao Oscar de Filme Estrangeiro. Mas não rolou. Merecido era, quer dizer, é, sobretudo frente à abordagem de tantas questões sociais prementes no Brasil, mas, e os outros candidatos?
#marte1 #cinema #polissemia #sundance #oscar
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