Um filme que começa nas reticências, no subentendido. Na vida de
uma mulher que se sente outra. Marie, ao acordar, não entende o que acontece consigo.
Nem nós.
Ela acorda sem a memória de seus últimos 15 anos. Sem, portanto, memórias
de seu casamento, de seu filho, de seu papel de alta executiva.
A convivência em casa, o dia-a-dia, a vão fazendo redescobrir. E
optar, no entanto, por não se reconstruir. Não como antes.
Todas as suas surpresas; as surpresas de todos à sua volta me
levam, me conduzem por um caminho que conheço bem. Me fazem olhar para traz e para dentro e
encarar, de novo, cada pedaço desta história que vivi, ao dia, e que teve a des-memória como protagonista. Pela
primeira vez, no entanto, com os olhos do outro, pisando fora do turbilhão.
Não, eu não acordei, da noite para o dia, com uma lacuna em minha
vida. Acordei de um mês de sono profundo, mais conhecido como coma e outros
três ou quatro meses sem qualquer sombra de consciência ou lembrança. ‘Acordei’
deste período, só aí percebendo que faltavam algumas peças a meu quebra cabeças
de vida (muitas). Algo entre 7 e 10 anos me escapavam. A capacidade de novas
construções no campo da memória também não estava lá. E eu não reconhecia,
identificava ou mesmo entendia o que me contavam ou me mostravam.
Da noite para o dia, eu morava em São Paulo, já há 2 anos. Eu
fazia MBA em gestão financeira há um ano (e gostava!). Pior, eu trabalhava no departamento
financeiro. Eu já havia ido ao Japão, a trabalho. Conhecia 80% das capitais brasileiras em
viagens, também a trabalho. Meus avós paternos e outros tantos tios e
conhecidos já haviam falecido. Cássia Eller também.
É aí que se instala um questionamento quase existencial: eu realmente
vivi ontem o que não deixou nem poeira hoje? Qual o peso e o valor de cada curva do caminho
que se torna ‘descaminho’? Qual o valor de tudo e qualquer coisa na vida sem
uma bagagem mnemônica?
É um vazio atrás de ti incapaz de botar legendas nas tuas
escolhas, nas tuas paixões. Incapaz de explicar as curvas de teu caminho, de te
explicar.
Mas, eternamente poliana, enxergo nisto tudo a possibilidade de me
colocar no papel do outro e avaliar cada atitude, cada escolha, cada decisão
caminho afora. De fora. Se acaso desconheço atitudes ou escolhas (por não me
lembrar), vou lá verificar, me identifico e me justifico. Ou não. Não me
encontro, discordo e me recoloco.
Uma outra mulher. A que tem o privilégio de escolher um ‘perfil’,
uma postura aos trinta e cinco e se permite dar contornos diferentes ao que
sempre foi, ao que viveu. É aí, como uma
segunda chance em tudo. Um outro olhar que surge de atitudes renovadas.
Hoje, vejo o quanto minha vida e meu bem estar dependem de
reconstruções. E são, muitas delas, reconstruções do zero. REaprender e REconstruir
muitos passos do caminho. Reconstruções com o propósito renovado, diariamente,
de preencher as lacunas que a (falta de) memória fez. Nos carinhos, nas
relações, nas construções afetivas, nas funções cognitivas, todas, nos gostos, nos
prazeres e nos deveres.
Poliana, agora e para sempre: mas, apesar de tudo, de todas as
lacunas, é uma trajetória estimulante porque ascendente. São pequenas
lembranças, ao dia, me fazendo crescer dentro de mim e reaprender tudo, passo a
passo.
Sou esta outra, não em função do que perdi, mas do que somei.
Eternamente Poliana! Salve Poliana de sempre!
ResponderExcluirPassei, li e gostei! Um beijo Poli!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPoli Poli querida!!! Adorei o texto parabéns! Beijos e Saudades Fernanda Dutra
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