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sábado, 27 de abril de 2013

arte 'brincante'



Representativo de várias identidades desta miscigenação cultural chamada Brasil, em muitas de suas facetas regionais, ele interpreta viagens festivas, populares e ainda líricas.

Com curadoria de Walter Carvalho, o Itaú Cultural apresenta a Ocupação Antônio Nóbrega, trazendo alguns dos vários pedaços deste artista múltiplo. Músico, compositor, multi-instrumentista, ator, escritor, dançarino, Antônio Nóbrega é síntese, como bem traduziu o cineasta. Entre fotos, gravuras, fantasias, chapéus, bonecos, instrumentos e outros adereços que nos transportam para seu universo multifacetado e lúdico, temos breve e original contextualização dessa mistura representada por ele.

Além de suas partes e peças todas ali expostas, a Ocupação  nos traz, ao final, a uma praça onde são exibidos vídeos de alguns de seus espetáculos. É ali que podemos conhecer o resultado desta rica equação que o representa, da soma de todos os materiais de seu universo exposto. Junto a  canções próprias, com forte embalo cancioneiro,  figuram a dança e a forte linguagem corporal que ele traz consigo.

Ainda, seus vários instrumentos musicais, as fantasias de todos os cortes e cores e o mundo que representam, os personagens resultantes e seu caráter lúdico, denotam a força deste artista. 

Todos os seus ícones, símbolos, referências têm forte e notória origem no popular e alguma miscigenação cultural. A mistura e o experimentalismo que denotam, transcendem sua arte para o contemporâneo.

É a riqueza de um universo ‘brincante’, termo nascido no Nordeste e adotado por ele, que se aplica  a quem participa de uma infinidade de brincadeiras de cunho popular e folclórico. É nesta visão lúdica do fazer artístico que seguimos, exposição afora, nos construindo personagens da arte de Nóbrega; nos vestindo em suas fantasias e acessórios.

Ato de Metalinguagem: Observando isto que venho escrevendo, fica muito claro para mim que sigo, exclusivamente, adjetivando e virgulando! Porque o Antônio Nóbrega é um artista não comporta ponto. São vírgulas ou reticências insinuando o ‘mais’ por vir. E sempre vem...


sexta-feira, 19 de abril de 2013

o grande irmão está de olho em você



É o Liceu Gustave Flaubert, o principal cenário desta história movida a metalinguagem.

No longa de François Ozon, Claude, aluno no Liceu, precisa fazer uma redação por semana como exercício proposto por seu professor de literatura, Germain. Na primeira redação, o garoto descreve uma ida à casa do amigo Rapha, onde conhece o Rapha pai  e a mãe, Esther. Sua redação e estilo (e, sobretudo, seu tema) chamam a atenção do professor.

É a primeira de uma série. Seguem-se redações sobre o mesmo tema e no mesmo tom ‘voyeurístico’. Do epicentro da vida privada da família, Claude começa longa narrativa, em capítulos, dos dias e de aventuras, deles e com eles. De maneira muito íntima, revela pormenores de seu cotidiano e com pitadas de suspense, dá à história, ares folhetinescos.

Querendo estimular um aluno em quem percebe um talento acima da média e, sobretudo alimentando também um seu voyeurismo, o professor espera ansiosamente o próximo capítulo da 'novela' dos Rapha’s, como Claude os chama, criando ali uma relação de interdependência, alimentada, de certa forma, pelo ‘consumo’ da vida dos outros.

Na medida em que aprende literatura, ele começa a imprimir requintes a seus textos e o longa ganha descrições poéticas, sob seu ponto de vista. Com o permanente propósito e estimulo (do professor) de criar “personagens”, aplicando regras e conceitos literários, de tornar a história mais convincente, ele nos deixa, todos, em dúvida sobre a realidade das situações narradas. Do quanto ali seria romanceado por ele e do que acontece, de fato, história adentro.

Neste ponto, chama a atenção, sobretudo, o caráter crítico e analítico daquilo que observa. Ele colore suas descrições e as enche de entrelinhas. Nuances psicológicas e outros detalhes definidores dos personagens desenham, expõem hábitos contemporâneos, com o banal e o corriqueiro elevados a espetáculo, e potencializam a dúvida dos contornos da história do filme e as histórias do voyeur.

Claude faz, assim, uma Sherazade revisitada. Observando o espetáculo da vida alheia e registrando como ficção, ele desperta, e conquista, a atenção do professor.

No filme, o roteiro bem desenvolvido e o toque de suspense dado pela história dentro da história, prendem a atenção até o desenlace. ‘Dentro da Casa’ usa metalinguagem para expressar o dilema entre real e ilusão na era das verdades editadas e deixa perguntas atrás de si. E cada espectador, pós filme, traz consigo uma resposta.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

alguma coisa está fora da ordem



What we saw from the Cheap Seats? Bem, eu, pelo menos, não vi e não sei. Não dá para listar ou responder porque, apesar de termos comprado mesmo os cheap seats, Rodrigo, eu e o Daniel, nos sentamos em outros. Não, nos expensive, mas n’uns que podíamos ver Regina e seus músicos. Que parecem, aliás, não gozar de grande popularidade por aqui. O show não estava lotado.

Esta parece, inclusive, ter sido a razão de não ficarmos em nossos cheap seats, com declarada visão parcial. De termos sido deslocados para  seats melhores, in front of the stage. Os produtores, parece, não quiseram deixar Regina perceber que não é uma Madonna em terras tupiniquinss e que muitos dos ingressos mais caros não haviam sido vendidos. A frente do palco só trazia nosotros, os ‘recolocados’. O público estava, parece, quase todo concentrado nos cheap seats.

Mas ‘What we Saw from the Cheat  Seats’ é, na verdade, o nome do ultimo álbum da cantora, que me pareceu introspectivo comparado a toda a produção que o antecede. Introspectivo, delicado e saboroso.

Apresentando suas canções e trazendo ainda muitas outras; aquelas de mais força em sua carreira dos álbuns Soviet Kitsch, Far e Begin to Hope, Regina Spektor, cantora russa radicada nos EUA,  fez um seu segundo show em São Paulo que pareceu, por vezes, (mesmo para uma fã) descompassado e com uma energia estranha (uma agnóstica pura falando em energia…).

Algum incômodo começou a ‘dar o ar da graça’ com as ‘entrelinhas’ do show. Digo, com os intervalos entre músicas. Estes não estavam bem articulados ou não foram bem pensados. Se foi coisa do momento ou planejada, aí, deixo a critério dos eventuais leitores. Mas o fato é que gerou algum incômodo.

Ao final de cada canção, deliciosamente interpretada, voz e piano, Regina pausava o show. Não houve durante toda da apresentação aquela tradicional costura ‘entremúsicas’, que não deixa a fluência ou cadência do público esmorecer. Toda e cada música trazia consigo um ponto final. E aí Regina conversava e ouvia o público. Muito.

‘Tá ‘usando’ agora este intervalo, para que os músicos descansem, talvez? Direitos trabalhistas em ação no terreno musical! Talvez na Rússia seja assim. Direitos trabalhistas herdados da revolução. Não sei. Só sei que foi assim. E para algumas de suas canções, corpo e alma pediam sequência.

E Regina da Rússia  seguiu, show afora, não só pausando, mas dando ouvidos a qualquer manifestação do público, individual que fosse.  E respondendo. Bem humorada e graciosamente que fosse, mas eu estava ali pela música, oras.

Minha memória de ‘trocentos’ e noventa e sete shows, pela vida e pelo mundo, me empurrou na construção de uma teoria: esta forte atenção no e ao público é coisa de artista ‘terceiromundista’ (sim, porque 2º mundo já virou lenda). A atenção desmedida é porque acha que está devendo algo ou talvez seja algum processo de culpa, não sei. O público paga caro e ele (o artista) ali, só saracoteando. Já o artista de primeiro mundo tem a autoestima nas estrelas (e da altura delas) e acha que ele está fazendo um favor ao público.

Além disto tudo acima descrito, outro forte senão (mais um) marcou o show. Regina passou quase toda a apresentação tentando falar ou falando com os técnicos da casa. E pontuando para o público que estavam trabalhando para reverter alguns problemas. Mas não reverteram e a certa altura, com a eloquente promessa de que voltariam, eles saem do palco, junto a todos os outros.

Fica o público, o escuro e o silêncio.

Mas sem qualquer explicação ou justificativa, dez minutos depois, eles retornam e tomam novamente as rédeas do espetáculo.

Mas concluindo, ‘what I saw from the cheap seats, além de todas estas notas ‘desafinadas’ e desatinadas acima, foram, sim, boas interpretações de canções deste último álbum, o ‘Cheap’ com outras de Soviet Kitsch e dos clássicos e melhores (para mim) Far e Begin to Hope.

What I saw from the cheap seats é que apesar dos pesares estruturais e organizacionais, música é mais e maior. E a música foi… REGINA.

sábado, 6 de abril de 2013

tudo ao mesmo tempo agora



O filme veio primeiro. ‘O Filho do Holocausto’, documentário de Pedro Bial e Heitor D’Alincourt, sobre a efervescente carreira de Jorge Mautner, deu uma boa mostra dos muitos significados que o acompanham, cercam e definem.

O show veio depois e em razão do primeiro.  Com participação especial de Gilberto Gil , Mautner apresenta e lança a trilha do filme, recheado de muitas de suas pérolas musicais como ‘Sapo Cururu’.

E em show, ao vivo, ele confirma aquilo que se observa e absorve do filme. Ele é a profusão de significados… e em convulsão.

Tão grande e tão forte quanto a parte musical (ou maior) eram as contextualizações.  Suas explicações, porquês, razões de ser e história das canções. Eram ‘notas de pé de página’, com corpo e conteúdo de página inteira.

Filosofia emborcada em teologia, misturadas, as duas, à história, com ganchos na psicanálise e literatura, desaguando, todos, antropofagicamente, em arte. Tudo isto se somando e recheando, ainda, superfícies quotidianas; dando volume, coloração e intensidade a temas de nossos dias.

Entre todos os muito tópicos referenciados, cantados e misturados destacou-se um seu manifesto e reiterado sincretismo.

Deus, Shiva e Tupã; Jesus de Nazaré, Allah e os Tambores do Candomblé, todos juntos, eram conclamados e convidados àquele ‘Maracatu Atômico’.

A certa altura, ele interrompe uma de suas múltiplas e densas contextualizações: “É tanta coisa pra falar.”

Sim, Mautner, a continuar assim, você não vai cantar.

Mas cantou. E encantou. E em ‘Maracatu Atômico’, com Gil e todo o público, a uma só voz e em êxtase, o SESC Pompéia vibrou. E seu violino dava um tom particular a todas aquelas canções, velhas conhecidas de um Brasil que canta significados.

Ele, assim, seguiu, show afora, costurando referências com inteligência e humor. Referências de todos os campos do conhecimento, tudo junto e misturado, iluminando a gente por dentro à medida que conseguíamos acompanhá-lo e fazer todas as conexões ali sugeridas.

Porque “Belezas são coisas acesas por dentro”.