Translate

domingo, 26 de maio de 2013

'a falta que ama'



Elena, de Petra Costa, é um documentário pessoal, autobiográfico, centrado na história de sua irmã. Em filme elegante e sofisticado, no compartilhamento de uma história íntima, ela nos traz a vida de Elena, talentosa atriz que vai para Nova York tentar uma carreira no cinema e, frente a desilusões e frustrações, termina por se matar. Aos 20 anos.

Mas não é a trama, o roteiro, a biografia ou uma sinopse, como esta acima, o que melhor define o filme. É a memória de um sentimento, seu entorno afetivo e a sensibilidade que ele exala e inspira.

A família, parece, tinha forte hábito de registros e filmagens. E a diretora faz bom uso deste extenso (e intenso) material de arquivo que traz, além de toda a riqueza de conteúdo sentimental, uma beleza plástica incomum. O tratamento das imagens, buscando representar a memória; o uso da cor, da luz, do foco, dá um tom impressionista em atmosfera onírica.

A intimidade proporcionada pelas incontáveis imagens de arquivo, antigas e atuais, humaniza o indigesto e doloroso tema. Na medida do possível. Doces vídeos caseiros dão o tom da saudade e da falta. A ‘falta que ama’.

Compondo o roteiro, Petra segue os passos da irmã em tempos de outrora, em Nova York. É uma busca por um encontro com fragmentos de lembranças de alguém que ela pouco conheceu.

Outros registros, os sonoros, roteirizam este encontro, pois Elena tinha por hábito enviar à família gravações, em áudio, somente, de suas experiências cidade afora. Petra vai, assim, construindo e concretizando uma memória por rastros de pegadas da irmã e suas aventuras e experiências.

Quando a história toda vem à tona é uma avalanche emocional contagiante. Em uma sua linguagem de dor, Petra nos conduz história adentro, pelos caminhos (e descaminhos) de Helena. Por Nova York e pela vida. Ela nos aproxima, sobretudo, de sua emoção, como quando diz: “e eu percebo que você morreu pra sempre.”

Elena se traduz na poesia da saudade de alguém que se foi.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

crônica de uma morte anunciada



O fato do filme  estar em cartaz exclusivamente em shoppings  (todos) me colocou um pé atrás. Eu já tinha um, é verdade, pela grande produção, pelo alarde blockbuster. Isto queria dizer algo. Nenhuma salinha de rua, pretensamente cult ou mirando no telespectador por si e em si, não no telespectador secundário, antes consumidor.

Mas, nos últimos minutos do segundo tempo, achei uma salinha perdida por baixo Pinheiros. Melhor: só eu e outras dez pessoas, no máximo, achamos.

Cedi a ímpetos nostálgicos, orbitando anos 80 afora e fui ver  ‘Somos Tão Jovens’, longa que retrata a juventude do líder do Legião Urbana, em Brasília.  Além da boa descoberta da sala, o filme me surpreendeu. Registro autêntico de uma época tão importante para a música nacional, ganha pontos por não apelar para sentimentalismo. O filme não é recheado de clichês, como se poderia esperar do tema: cinebiografia de um músico, ídolo de proporções messiânicas, que teve morte prematura, no auge de sua carreira.

Apesar do título destes escritos que se seguem, não, o filme não trata da morte do protagonista. Nem sequer aborda. O filme se estende do período de formação do grupo, antes mesmo de se fazer Legião, até um primeiro show fora da zona distrital, no Circo Voador, no RJ.  

Retratando o nascimento da banda, ‘tijolo por tijolo’, o longa bem pontua os maneirismos de Renato Russo, sem fazer deles piada, só diferença. E o ator passa bem a personalidade do protagonista, sua excentricidade, genialidade latente e sua insaciável fome de mais.

A escalada do grupo principia em festas de amigos através, inicialmente, de uma outra formação. A partir de um ‘Aborto Elétrico’, nome de seu projeto inicial, uma ‘Legião Urbana’ começa a ganhar corpo. Em ótima ambientação da época somos apresentados ao anônimo Renato Manfredini Jr, adolescente classe média de Brasília, professor de inglês, inteligente e insaciável, vítima de uma doença óssea de nome estranho, epifisiólise, que o deixa prostrado na cama por um ano e o leva, assim, à música

 O filme retrata os musicalmente prolíficos anos 80, uma época de surgimento de outras bandas tais como Plebe Rude, Paralamas e Capital Inicial, tão trilha-sonora de ‘um’ nosso tempo; o que se sente por alusão ou referência.

‘Somos tão Jovens’ ganha por nos apresentar uma parte da história que não conhecemos, a gênese do fenômeno cultural Legião Urbana e também ganha por trazer uma sucessão de hits cujas letras comoveram quem foi jovem há 30 anos, canções tão parte da trilha sonora de um tempo. Difícil, aliás, não seguir cantarolando por todas as performances representadas no filme.

Quando o filme acaba, uma das canções segue ecoando em nós: “Mas eu dizia ainda é cedo, cedo, cedo…”

“Força Sempre!”

quarta-feira, 8 de maio de 2013

quando você me deixou, meu bem



Fragmentos cotidianos de um abandono e os abismos (subjetivos) dele decorrentes. Assim, eu resumiria,  em uma frase, Abismo Prateado, o novo filme de Karim Ainouz. Sob demanda, porque não sou alguém a quem se possa chamar de pessoa de poucas palavras. Definitivamente. Principalmente se as palavras são como estas, as escritas. 

Ainda ali, pós primeira tentativa de definir, de resumir, eu precisaria abrir parênteses ou observações ou  ‘pê-esses’. Filme que não comporta definições ou subtítulos rápidos. Mesmo enredos, há que se desconfiar porque o terreno subjetivo é extenso (e intenso).

Apesar de silente e minimalista, ‘Abismo Prateado’ pede contextualizações, ou mesmo digressões, porque traz, antes de tudo, contornos sentimentais e pede conclusões pessoais. Porque se mostra aberto nas possibilidades das interpretações e dos significados, pela experiência quase sensorial e pouco discursiva em narrativa pautada por lacunas.

Livremente baseado em ‘Olhos nos Olhos’, canção de Chico Buarque, e aqui cabem outras digressões, o filme mostra um dia na vida de Violeta, a dentista de 40 anos, interpretada por Alessandra Negrini, que vê sua vida à beira de um abismo após descobrir, via SMS, que o marido a deixou.

O filme não é a trama, o enredo por traz ou adiante. É a linguagem e os recursos narrativos utilizados. Em silêncio eloqüente, a personagem segue seu caminho, deixando  que os enquadramentos, o som ao redor (!!!) entre outros recursos, nos contem de sua dor e deixa que cada um de nós, expectador, dê os contornos finais.

 É um despenhadeiro sentimental, o que vive Violeta, em uma brusca desestabilização. E é na expressão deste ‘momento sentimento’ que o filme se desenha. Quase sensorialmente.

Mas a redenção da dor de Violeta , o longa nos mostra devagar, está no conforto da coletividade e na força dos elementos cotidianos nela inseridos e partilhados. O fato de, o 'pessoal' não encontrar espaço, traz conforto às exigências da vida comum. Porque ser um entre tantos guarda mais imposições cotidianas e menos dificuldades, silêncios, abismos.

A escolha da canção, de 'Olhos nos Olhos' deveu-se à sua poesia, mas também à sua abertura a interpretações, segundo Karim Ainouz. Quando, há alguns anos, foi convidado pelo produtor Rodrigo  Teixeira para dirigir um filme inspirado nas canções de Chico Buarque, ele escolheu uma. Esta.

E a canção dá o tom da leitura da dor, das possibilidades. Nada se enreda, tudo se insinua, olhos nos olhos.

Nota metalinguística: merece parágrafo a atuação de Negrini. Em um papel com forte carga emocional, ela, dá à personagem uma boa medida de sofrimento e muitas vezes, monopoliza a atenção do espectador, tamanha a sua entrega, expressando e manifestando, quase fisicamente, sua dor. E ‘Abismo Prateado’ soube pôr no caminho da personagem elementos que pontuam este mal estar.

O filme se revela uma experiência sensorial e pouco discursiva em uma narrativa pautada por lacunas. Cabe a nós pontuar. FIM.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

de tudo se faz canção



E  de toda canção se fez emoção nesta ‘Uma Travessia’. Uma não, mil,  porque Milton!  A minha, pela arte e pela poesia, embaladas pela nostalgia; a dele, por seu repertório e pelas ‘esquinas’ de uma produção mineira conjunta; a do maravilhoso show que trazia este nome; Travessia.

Comemorando 50 anos  de carreira, Milton Nascimento, o nosso Bituca, apresenta o espetáculo (substantivo e adjetivo) ‘Uma Travessia’, junto a Wagner Tiso e Lô Borges, amigos de infância e ‘esquina’.

E ‘travessia’ afora, ele nos traz (aos ouvidos e à memória) sucessos seus, do clube de que fizeram parte, os três, o da Esquina, além de clássicos de Vinícius de Moraes, Tom Jobim e Noel Rosa.

Foi um show derramando emoção. Em meio a repertório absolutamente familiar e  a um lirismo embriagante, na voz  e nos significados das canções,  a plateia se encantou.

Com  sua voz marcante, Milton nos carregou através de  canções e nos embriagou com  sua voz e seu ritmo. Para uma mineira longe de casa foi um presente, colorindo a alma de uma nostalgia, de um sentimento caseiro “porque de tudo se faz canção e o coração…”.

Como “sou do mundo, sou Minas Gerais”, sentia a emoção fechando a garganta e as lágrimas inundando os olhos.  E por ter “comigo as lembranças do que eu era”, a memória afetiva, do tamanho da emoção, transborda.

Milton cala.  Por respeito, reverência, admiração, contemplação.

Ao final, absolutamente entregue e torporizada levanto e bato palmas. Também por dentro.

“E lá se vai mais um dia…” E que dia!