"O FATO SE DISSOLVE -
AS LEMBRANÇAS SÃO OUTRAS DISTÂNCIAS"
Era Branco e era Rosa.
Cristiano, meu primo, que todos chamamos de Branco, lia uma
bricolagem de trechos de Guimarães Rosa para sua futura esposa e para todos
nós, convidados, em seu casamento.
Feita a leitura, finda a cerimônia, Branco caminhou até mim
para me presentear com aquele quebra-cabeças ‘roseano’ montado por ele, para
enfeitar seu casamento. Eu, que, ainda vivia as sequelas de um acidente, estava
sentada lá atrás, bem no fundo, assistindo a tudo de longe.
No dia seguinte ao do casamento, já acordei perguntando à
minha mãe onde estava o texto que eu
havia ganhado. Minha mãe se surpreendeu muito com minha pergunta, com esta minha
lembrança do ontem.
Eu estava, já há quatro meses, sem rastros de uma memória, a
dita recente e não me lembrava nunca de nada com horas de diferença, quiçá de um
dia, fruto de um traumatismo grave que me trouxe o tal acidente.
Foi Branco quem me apresentou Rosa, em um nosso tempo de
república de estudantes universitários. O autor e a obra. E foi paixão absoluta
à primeira leitura, começada já do topo. Grande Sertão Veredas foi o primeiro ‘entretodos’ e aí não havia como ser
diferente.
Seria, inevitavelmente, um aborto de missão à primeira
tentativa, às primeiras páginas, sem entender a linguagem e o viés ou, como de
fato aconteceu, seria uma entrega à filosofia do homem simples do sertão, bela,
inteira.
O passado faz quem somos. O autor de ‘Grande Sertão…’ que
fez de sua obra, um dos alicerces de meu gosto e minha vontade literária e
sempre foi muito importante para mim, me acordou uma memória que dormia em sono
profundo há cerca de quatro meses. Assim,
“o passado é que veio a mim, como uma nuvem…”.
E por estas veredas é que começou minha longa viagem em
busca de mim mesma.
Quanta sensibilidade, quanta leveza para narrar o que foi pesado.
ResponderExcluirMárcia Araújo
Falar sobre nós mesmos é um exercício difícil e delicado. Mas você, Poligirl, consegue com exímia sensibilidade e poesia, tocar em feridas que tanto marcaram sua história.
ResponderExcluirEscrever este caderno do Eu, encarar os fatos vividos com tanta coragem, mostra-nos o que você tem de mais sublime: sua vontade incondicional VIVER intensamente. Profunda também é a minha admiração e amor por você.
Breno.