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domingo, 7 de julho de 2013

eu sou é eu mesmo


viver é muito perigoso - o acidente e as sequelas

Foi um acidente, um quase ponto final.

Mas sempre adepta das artes literárias que sou, resolvi brincar de conotação e pingando dois outros pontos, ensinei para meu corpo um significado, literal, de reticências.

Estava passando um final de semana em terras mineiras, por razões não muito felizes. A caminho de um enterro, na Avenida  Amazonas, o motorista atravessa o sinal vermelho e quem paga a conta sou eu.

Após o forte impacto entre os dois veículos, tudo se apagou.  Acharam, a princípio, que eu havia sofrido apenas um desmaio, pois meu corpo não apresentava sinais de fraturas, cortes ou escoriações.  Tentaram me reanimar.

Só acordei, segundo me contam, vinte e oito dias depois, pós coma, no João XXIII, hospital de emergência da capital mineira. Fui internada com forte lesão cerebral, em Glasgow 4, segundo Moreno, também meu primo e irmão do Branco do Rosa,  meu médico durante o coma. De  acordo a esta escala de avaliação neurológica, cheguei no penúltimo grau de gravidade do trauma, que vai de 3 a 15.

A leitura do diagnóstico já me causa vertigem. Encontrada na cena do acidente em glasgow 4, portanto, e  anisicórica, fui prontamente intubada e posteriormente traqueostomizada. Foram  identificadas as lesões cerebrais  HSAT, LAD, além de outras espalhadas corpo afora, como hemopneumotorax D, lesão hepática grau III, fratura de acetábulo D e E, seis costelas quebradas, hemiplegia e fratura no fêmur. Tradução? Glossário post scriptum.

Minha mãe e meu pai, no dia do acidente, estavam, de férias, a caminho do Rio Grande do Norte. Em escala no Rio de Janeiro, por alguma razão que me escapa ao entendimento, ela ligou o celular e assim chegou a notícia de um acidente que lhes definiu os próximos meses. Meus pais, escala de voo, telefone. Tsc tsc tsc .  Incompatíveis. O aparelho deve estar perdido n’algum canto da mala, no bagageiro.

Mas o celular estava com eles, e surpreendentemente, ligaram por estas poucas horas que seria a escala, receberam a ligação e adeus Natal. Não encontraram voo para voltar, direto do Rio. Tiveram de vir até SP e daqui ir ao meu encontro no hospital de emergência em Belo Horizonte.

Minha mãe me contou que minha urgência foi privilegiada em detrimento de outras, dada a gravidade da situação.

E ela, assim, passou o mês inteiro em Belo Horizonte, indo ao hospital uma vez, uma hora por dia, para me ver. E  Augusto, o Moreno, foi fundamental para lhe dar alguma tranquilidade.  Era tudo muito grave mas… sempre mas…  alguma oração adversativa.

Segundo ele mesmo me contou, muito tempo depois, não houve necessidade de intervenção cirúrgica. Um quadro, sim, muito grave, MAS de evolução permanente. Meu corpo se perdeu, MAS sozinho se encontrou por estas veredas.


GLOSSÁRIO MÉDICO

ANISICORIA - é uma condição caracterizada pelo tamanho (diâmetro) desigual das pupilas Esta desigualdade pode ser causada por traumas sofridos em um dos hemisférios do cérebro.

TRAQUEOSTOMIA - procedimento cirúrgico no pescoço que faz um orifício artificial na traquéia, abaixo da laringe, indicado em emergências realizado em pacientes necessitando de ventilação mecânica e nas intubações prolongadas.

HSAT -  Hemorragia Subaracnoidea Traumática : muito comum no trauma . É sangue no espaço subaracnoide, onde corre o liquor, o liquido de " hidratação " do cérebro.

LAD – lesão difusa do encéfalo (cérebro, tronco encefálico e cerebelo) decorrente de traumatismo fechado da cabeça.  Refere-se às mudanças nos neurônios, em suas redes de conexões e em suas funções, criadas por novas experiências.

HEMOPNEUMOTORAX - perfuração do pulmão, normalmente por fraturas de arcos costais, levando a sangue no espaço pleural e a ar também no espaço pleural.

ACETÁBULO -  faz parte da articulação do quadril. O acetábulo é o soquete da articulação, enquanto o fêmur é a bola, formando uma articulação do tipo bola-soquete.  A fratura do acetábulo ocorre quando o soquete é quebrado.

HEMIPLEGIA - Paralisia de uma das metades do corpo, ocorrida, na maioria das vezes, em virtude de uma lesão cerebral no hemisfério oposto.

3 comentários:

  1. o texto está lindo. Eu leio aqui, emocionada junto contigo. A parte das reticências é a mais bonita metáfora que já li para a vida. Transformo um ponto final em reticências. Parabéns, Poli, por muito além do texto. Por tudo, que você sabe, admiro muito.
    Bjs Diane

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  2. E bota reticências...

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  3. Eu sempre procuro exemplos de problemas reais, como esse que você viveu, e problemas imaginários que insistimos em priorizar todos os dias. Estar vivo e bem é um milagre, de fato, e essa é a maior dádiva. Precisamos parar de nos preocupar com futilidades e buscar sentido real na vida. Parabéns por sua força titânide. Um beijo.


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