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domingo, 29 de setembro de 2013

compra-se um perfil


Pincei um trecho de parágrafo  de um texto do Zygmunt Bauman,  sociólogo polonês, visto (e debatido) em sala de aula, ‘O segredo mais bem guardado da sociedade de consumidores’, guardei embaixo do travesseiro e dormi pensando nele, dia desses.

E acordei querendo refletir  um pouco mais sobre a questão. A certa altura, ele afirma que todos habitamos o mesmo espaço social, o mercado. Qualquer que seja o nicho a que cada um de nós, é encaixado pelos construtores de tabelas estatísticas.

Peguei esta afirmação, concordei com ela, mas saí pela tangente. Me fixei  em  um seu acessório para minhas elucubrações pessoais. Claro, vivemos o mercado em todas as esquinas de nossas vidas, fazemos marketing de nós mesmos, estamos hoje em vitrine permanente.

Mas,esta informação que me fisgou é um complemento, digamos assim, da afirmação do autor. As tabelas estatísticas. Não vivemos hoje sem classificar, eleger, categorizar, tudo visando um melhor uso da informação, em nome de um consumo e um marketing mais direcionado. Com um acesso e uso mais aprimorado de infindáveis bancos de dados, antecipamos qualquer iniciativa.

E as tabelas são parte de um ciclo vicioso que ganhou a dinâmica de nossa sociedade de consumidores. Em  tempos de fetiche da subjetividade, o homem faz mercado de si e quer pertencer a grupos estatísticos determinados, comprando um  perfil.  Consome em função de determiná-lo. Assim, seu consumo alimenta estas  tabelas estatísticas e a divulgação destas alimenta, em retorno,  a determinação de perfis.

 Já que somos assim classificados, compramos um nosso perfil e nos encaixamos nas estatísticas.

domingo, 22 de setembro de 2013

o grande irmão está de olho em você


E tudo o que você disser (ou escrever ou postar) pode e será usado contra você

2013, com nuances de 1984. Não, não vivemos (mais) um movimento de valorização da década de 80.

O recente vazamento de documentos sobre a espionagem feita pelo governo norte americano, à vida privada de seus cidadãos, nos remete a um paralelo com 1984, obra de George Orwell. No livro, Orwell cria um futuro distópico, no qual governo repressivo e totalitário vigia a sociedade permanentemente e tem seu poder aí sedimentado.

Os documentos revelaram que os serviços de inteligência americanos têm acesso aos servidores de grandes operadoras de telefonia e empresas de tecnologia. Segundo o governo, a proposta do programa é filtrar comunicações e dados sensíveis ou perigosos transmitidos por servidores localizados no país.

Em suma, o Estado americano tem acesso a quase toda atividade online dos usuários de grandes empresas de tecnologia e, por consequência, a dados privados de milhões de cidadãos e até mesmo governos, mundo afora. O controle dos cabos de fibra ótica e o alcance da rede permite aos EUA acessar e influenciar, portanto, cidadãos dentro e fora de suas fronteiras.

O paralelo com o ‘Grande Irmão’ é óbvio. A internet, poderosa ferramenta de informação de nossos dias e claro instrumento de emancipação está sendo utilizada como facilitadora de um gesto totalitário.

Nota metalinguística: em pesquisas web afora, no afã de encontrar outras conexões sobre o tema, o que mais encontrei, com as ‘tags’ ‘1984’ e ‘espionagem eua’ foram manchetes de vários meios de comunicação sobre a disparada nas vendas do livro.

Das páginas de literatura para as páginas de história, o Grande Irmão, continua de olho em você!

domingo, 15 de setembro de 2013

não seria eu



Se não fossem as minhas malas cheias de memórias,
Não fossem todas as histórias e as reticências…
Não seria eu…

Se não fosse os Caramujo, Guerra e  Nova Era,
Se não fosse família e outros tantos laços
Se não fosse a origem, e outros meus pedaços, não seria eu…

Se não fossem os amigos multiplicados,
Se não fossem as minhocas e os lost cause,
Não fossem os contornos afetivos de tudo sempre tanto
Não seria eu…

Se não fosse a Índia, a Disney e a Inglaterra...
Não fosse aqui, ali, em todo (e qualquer) lugar,
Não seria eu

Se não fosse a sede, a vontade e a querência,
Não fosse plural,  e o querer potencial
Não seria eu…

Se não fossem as cozinhas, os temperos, as receitas…
Se não fossem spices, ervas e picâncias,
Se não fosse insaciável, não seria eu...
E não seria eu…

Se não agregasse, agradasse e misturasse
Não exclamasse e amasse
Não seria eu…

Você pode tentar por horas me deixar culpado
Mas vai dar errado
Já que foi o resto da vida inteira que me fez assim

E eu sou é eu mesmo!!!


(dando cores minhas a ‘Capitão Gancho’, canção de Clarice Falcão)

domingo, 8 de setembro de 2013

conto de fadas às avessas



Ensaiando passos pela vida adulta, colecionando mais tropeços que vitórias, Frances segue aprendendo a dançar conforme a música. No amor,  na possibilidade de vida comum, no trabalho, em projetos privados, em todas as esquinas de sua vida, enfim. Quase, só colecionando tropeços, na verdade, mas sempre se levantando. Sem trilha sonora ao fundo, adornando uma imagem de força e superação, sem grandes conquistas, sem um grande amor para colorir a história.

Frances é uma jovem dançarina que sonha com uma vida artística. Visivelmente sem talento ou notória aptidão para tal,  ela enfrenta vários percalços em seu caminho. Dignos, todos, de vida real. E ela segue se levantando e  levando a vida com humor. Desajeitada, na dança e na vida. e brincalhona, com ar de quem se recusa a crescer, ela tem na relação com os amigos e colegas ao redor um dos pilares de seus dias e sonha com o momento de se realizar na profissão para viver (e pagar) uma vida de cinderela. 

Frances Ha é um filme contido e todo possível  (podia ser eu). Ela é poliana  (viu?!?!?!). Encara bem todo  e cada obstáculo; sem heroísmo, mas com humor. 

O humor, aliás, é um ponto a se destacar. No filme e nela.  Casualmente, levemente, inteligentemente, seu mundo é lúdico e ela brinca com as ocorrências e obstáculos.  Sem tom de tragédia ou posterior vitória, superação.  O filme é no tempo de suas relações, de suas dificuldades e seu humor para lidar com tudo e todos.

O filme em P&B nos insere perfeitamente na atmosfera e no charme de Nova York, de Manhattan. O ritmo da cidade está presente, na vida de Frances, inclusive.

Quando ela começa a desenhar uma conquista, um projeto com contornos de real, comemoramos sinceramente, porque o sentimos (e a sentimos) possível.

domingo, 1 de setembro de 2013

'horinha' de descuido





“Viver de graça é mais barato”.  E mais gostoso. E a graça da vez foi literária, mas musical; clássica, mas experimental; prazerosa e luminosa, enfim!

Não sei definir ou conceituar. É que para “muita coisa importante falta nome”.  Era um sarau músico-literário. Eram Guimarães Rosa,  Adélia Prado, e muitos músicos; eram várias nuances da identidade cultural mineira, tudo junto misturado.

Em ‘maduro’ projeto seu, o espaço cultural Casa dos Rosas, fomenta a arte via poesia, literatura e música. O ‘Chama Poética’ daquela noite  trazia um grupo com os pezinhos em Minas. ‘Identidades Gerais’ apresenta um pedaço da cultura mineira através  de três diferentes programas que expõem suas regiões de origem por sua música e literatura. Mas foi um deles o que me amarrou a identidade, o gosto e a reconhecença.

‘Estações do Rosa’, projeto de Três Marias, recheado de contos e cantos, revisita a obra de Guimarães Rosa. 

Eu, que não esperava nada além de meu frisson habitual por arte, deixei que se acendessem luzes da identidade e me entreguei.

É que “no mais, mesmo, da mesmice, sempre vem a novidade”. E eu ali, assistindo àquela apresentação falando e cantando “identidades gerais”, ia percebeno que é quando a gente sai de dendagente, é aí que as diferença se alumia. E  vi “tudo diverso diferente, o que nunca tinha visto”.

Vivendo em São Paulo há cinco anos, me habilitei, creio, ao olhar do outro.  Para mim mesma. Hoje já posso e consigo, vez por outra, ser o outro me olhando.

Eu que “quase de nada não sei, mas desconfio de muita coisa” tenho pra mim que aquela poesia feita literatura, e feita música, por fim; aquilo tudo é obra de um filósofo. Trasvestido, primeiro em médico, e depois em escritor/poeta, Rosa nos traz a filosofia de algumas veredas, pura, bela, inteira.

E as palavras roseanas, em tom de causo ou musicais, coloriram a noite com uma aquarela incomum. Uma noite em tons de familiaridade, nostalgia e poesia.


“Merece de a gente aproveitar, o bom da vida é só de chuvisco”!