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domingo, 5 de janeiro de 2014

ética do afeto


Um filme terno, principalmente pelas interpretações das crianças, tão carregadas em uma naturalidade infantil e questionadora. Apesar da delicadeza da trama, a todo momento me pegava sorrindo para a tela. Keita, uma das crianças, já entra em cena conquistando com sua prosa infantil articulada.

O filme, Pais e Filhos, do diretor japonês Hirazaku Kore-eda,  trata de um caso de troca de bebês na maternidade que chega a conhecimento dos pais, dos dois lados, quando as crianças têm, já, seis anos. Com todas as questões emocionais envolvidas e a fragilidade da trama, o pano de fundo, o âmago da sociedade japonesa em sua rigidez moral e austeridade dá  fortes cores ao cenário.

O pai de Keita  exibe uma moral dominada pela ética do mundo do trabalho, centrada em eficiência. É  um workholic, capitalista e japonês, dois fortes agravantes. E  foca sua relação com o filho em uma espécie de treinamento, e assim, não se reconhece ou não se identifica nele, o acha pouco competitivo. A rigidez comportamental e moral da sociedade japonesa ficam ainda mais claras, por paradoxo, através da figura do outro pai, lúdico e brincalhão, fazendo o contraponto, em personagem que concentra características avessas ao estereótipo japonês.

O pai de Keita nos revela sua insatisfação e a ‘não identidade’ com o filho, quando da descoberta da troca dos bebês: “Agora tudo está explicado”, ele diz, nos fazendo cúmplices em seu inadequado papel, o pai de Keita.

Desfazer a troca é um caminho aconselhado pelos médicos. E o significado deste desfazer  nos coloca em forte dúvida do certo ou errado, neste caso. Uma vida inteira (mesmo que ainda curta) compartilhada. A questão que fica, eloquente, é o significado da paternidade e maternidade quando não um processo de vida comum, crescimento, afeto que nasce da convivência. Os limites e as fronteiras da força dos laços sanguíneos  versus  laços nascidos e criados na convivência.

Com diálogos tocantes e cenas reveladoras de um afeto construído e conquistado cotidianamente, o filme nos inquieta em seu questionamento. 

2 comentários:

  1. Olá Poliana, tudo bem? Não conhecia seu blog, fiquei sabendo agora através de Branco. Adorei!
    Beijos.
    Orminda

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  2. Poliana, o Koreeda é um dos meus diretores preferidos! já vi quase toda a filmografia dele (tenho inclusive que te passar os que tenho aqui em casa).
    A "naturalidade infantil e a delicadeza da trama", como você mesma disse, são marcas registradas dos trabalhos mais recentes dele, vide "O Que Mais Desejo" e "Ninguém Pode Saber". Ambos tem crianças (em atuações perfeitas) como personagens principais e são elas que nos guiam durante todo o filme. E é também no desenrolar da trama que vão amadurecendo e "devastando" o espectador.
    como fã do Koreeda, já tava curioso pra conferir esse último trabalho dele. agora que li seu post, tô pirando aqui!!

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