“Descarta os rostos e aprende a reconhecer as pessoas por
suas atitudes, problemas, histórias,
trajes, gestos, vozes, pelo modo de nadar, pelo progresso que apresentam dentro
d’água. Suas características vão formando um diagrama que consegue evocar e
estudar nas horas vagas.”
Este é o protagonista do livro ‘Barba ensopada de sangue’. Sem nome, portador de uma condição neurológica
peculiar, congênita, ele desenvolve uma sua ‘gramática’, um léxico para lidar
com as situações cotidianas e as relações ao seu redor. Seu problema é com rostos e feições, dos quais ele não guarda qualquer traço na
memória. De nenhum. Nada. Assim, ele se arma de outras conexões, outras
referências pessoais para identificar aqueles ao seu redor e manter algumas de
suas relações.
Mergulhada na leitura destas páginas, dias para cá, traduzi
alguns trechos para minha vida. Acompanhando e me familiarizando com os artifícios do
protagonista para superar cotidianamente e sobreviver, portanto, a esta sua
deficiência, reconheci sua estratégia e
me identifiquei. Principalmente, com o desenvolvimento de novas conexões e normativas que funcionem como combustível para as
engrenagens cognitivas, uma vez que as antigas e usuais estão perdidas.
É o jogo da sobrevivência. Adaptar para sobreviver, como
Darwin nos explicou nos bancos de escola e sabemos bem utilizar, uma vez que
precisemos. Para cada deficiência, uma estratégia; novos e outros modelos de comportamento
frente a diferentes situações, frente à vida.
O problema dele é com fisionomias, das quais ele não
consegue guardar nenhum desenho na cabeça. O meu é com tudo. Mas a dificuldade
dele é permanente, e a minha, desenhando e seguindo meus diagramas pessoais, vou deixando para trás, ao dia. Devagar, mas
sempre.
Daqui a pouco, vai engrossar as histórias que tenho para
contar. E só. Como a Índia, a Disney, a
professora de inglês, como New Age, como a força e a vida. Como minha mãe, minha professora; como guerra que sou, no nome e na
atitude. Como poliana, enfim, porque
poli são várias.