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domingo, 27 de julho de 2014

um prazer ritual (adjetiva e substantivamente)


Já andei, por estas páginas, desdizendo a astrologia, as leis que regem seus signos, suas regras e (im)possíveis efeitos.  No entanto, sigo me repetindo, em ostensivo paradoxo, que por coincidência absoluta, que nem os astros explicam, tudo o que dizem da virginiana, sou eu!

Uma, entre o sem número de regras a que me submeto, prazerosamente, há que se frisar, é o cuidado e atenção com o corpo e a saúde. Faço ginástica, com gosto, todos os dias e me alimento desmedidamente bem. Medidamente, quer dizer, seguindo todas as receitas orientadas por publicações que fazem apologia à vida saudável e correta (nutricionalmente falando, há que frisar!). Três frutas por dia, três legumes ou verduras, no mínimo, carne branca a metade da  semana, 2 a 3 litros de água por dia, integrais cereais e outros maltes (inclua-se aí a cevada, claro!).

O prazer ritualístico do café depois do almoço entre nesta dança saudável e sempre me fez esnobar desdenhosamente a sobremesa, me sentindo, no mais das vezes, saudavelmente superior e mais ‘requintada’.  Definia (e ainda defino) como o ponto final ideal. “É o único doce que preciso”, abusava,  orgulhosa de meu hábito/prazer nobre e saudável.

Quando surge uma nutricionista sem coração em palestra na empresa, reiterando, inconsequentemente, os males do cafezim’ (sou mineira – eu, não ela) depois do almoço. – Retém a absorção de minerais e nutrientes do que se acabou de ingerir. Ideal seria o intervalo de duas horas antes e duas horas depois.

Como assim? Duas horas depois? Faria um esforço de esperar 20 minutos, não mais. Mas a virginiana que se alimenta tão bem, prato em carnaval de cores, logo protesta. – Então, faço nobre seleção dos convidados a meu prato e meu estômago,por conseguinte, à toa? Vamos negociar.

Nas primeiras semanas, parei, mas o  troço fazia tanta falta que resolvi estabelecer uma regra para furar a regra (virginiana, ainda que cética, é boa nisto).  Por minha boa alimentação e dedicação permanente, ganho um prêmio semanal.  Uma vez por semana eu me daria de presente um ‘puta’ café depois do almoço. ‘Puta’, adjetivamente,  no sentido de super, bom e melhor!

Foi quando a Marília entrou na minha vida. Marília é amiga da Stina (e agora minha também!), minha flatmate, que estava lá em casa em um desses jantares temáticos da Rodésia. Dessa vez, estávamos todos na Suécia, na comida e na bebida, em jantar de boas vindas à Stina. Nas idas e vindas que o assunto dá, falava da nutricionista que ‘destruiu minha vida’.

Marília então se apressou em se identificar nutricionista e dizer:  “não é assim, não”. Se eu tivesse problemas alimentares, nutricionais, tudo bem, mas como não, eu podia seguir no meu café after lunch.

Me digam as regras, como funciona tudo  e eu seguirei.

Servi  um cafezinho para brindarmos e resolvi me entregar (de volta) a meu melhor vício.

Resumo da ópera:  Um ritual prazeroso estabelecido, os dizeres de uma nutricionista, a abstinência, os dizeres da outra , o resgate, o retorno!

Assim descrevo meu mais duradouro affair, desde sempre e para sempre. Entre idas e vindas, sou fiel a ele e sinto forte sua ausência!

terça-feira, 22 de julho de 2014

90 anos de samba e elegância


Era noite de aniversário, eram 90 anos e era Nelson Sargento.  Humor, irreverência, inteligência… e samba! O aniversário era dele, mas a festa foi nossa. E foi a magia da música que abriu as cortinas de noite de graça e força apuradas. Sargento,  celebrando seus 90 anos no palco, tem dificuldades para ali se posicionar. Ajudantes pelos braços (e degraus) afora, ele alcança a música e se entrega e se basta!

Em projeto marcando seu aniversário de 90 anos, o sambista da velha guarda, presidente de honra da Mangueira, fez show com repertório exclusivo de suas composições e participações de Leci Brandão, Áurea Martins, Agenor Oliveira e mostrou que, aos 90, segue pulsando vida.

E foi sua música, melhor, seu samba, o que nos embalou em noite cheia de ritmo e charme. Parte forte da identidade brasileira porque na maioria das equações, reais, racionais e irracionais; samba  =  Brasil.  Mas ali foi  igual, mas diferente porque a elegância  dava o tom. Da noite e da música. Avesso, portanto, ao paradigma da música brasileira para exportação, o som do Sargento carrega sabedoria popular e um charme peculiar, todo velha guarda.

Em uma graça irônica, ele nos embala também no riso – faz algumas boas piadas acerca de sua (falta de) memória, uma ou outra vez revelada entre músicas, ao não se lembrar da próxima do repertório ou o nome não ser isca para se fisgar maior definição da canção por vir. São necessários os primeiros acordes. E aí vem a música inteira, acompanhada da ginga e da graça.

E nisto me lembro de um aprendizado recente com uma grande amiga. “Poli, música não é memória, é automatismo. O processo é diferente porque envolve sentimento.”.  Assim, a conexão do nome da canção não foi suficiente naquele momento, mas bastou que começassem os acordes, as harmonias para que acordassem o sentimento … e ela (a canção) viesse  inteira!

Em ‘Homenagem ao mestre Cartola’, Sargento traduz, literalmente, o nome da canção, fazendo sua letra através de uma bricolagem das principais composições, títulos e trechos, do seu companheiro de  muitos sambas na ‘festa da vinda’.
“Mas tudo se ajustará numa linda Alvorada
O sol nascerá, Pouco importa depois…”

quarta-feira, 16 de julho de 2014

arranjos e tons de minas


Música para se ouvir de olhos fechados. Para ficar inteiro lá dentro e assim não permitir que outros sentidos interfiram naquele momento e te levem para passear por outras veredas, ainda que acidentalmente.

O som, definido como a maior mistura já feita de MPB, jazz e rock progressivo, é, sim, complexo, mas particularmente agradável. Uma música longe de ser plana, apresentando uma “desordem chegando às raias do sublime”, como nos explica Tavito, um dos componentes do rico grupo.

O pianista e arranjador Wagner Tiso recrutou seus antigos parceiros do ‘Som Imaginário’, lendária banda dos anos 70, para um show relembrando arranjos e composições do grupo, mais de 40 anos depois do lançamento do primeiro LP.

A banda que reunia, então, a turma que tocava ‘nos bailes da vida’, acompanhando Milton Nascimento, se junta novamente no Teatro Paulo Autran, do SESC Pinheiros, relembrando criações e composições.

O show, em sofisticados arranjos instrumentais e fusão de estilos, evidencia um som intenso, ‘inteiro’ e muito agradável.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

amálgama brasileiro


Ali, o gênero musical se configurava  como um espaço social para leituras e interpretações de nosso país, significados falando mais alto que qualquer lirismo ou poesia; sem perder por isto, no entanto. ‘Variações neste mesmo tema, sem sair do tom’…

Era Mautner e era Caetano, apresentado juntos ‘Três Tons’ de Jorge Mautner, material que relança os três primeiros álbuns do músico, bem mostrando a fase inicial do cantor, compositor, poeta, escritor, filósofo e violinista (ufa!).

Assim, Jorge Mautner era oficialmente o ‘mestre de cerimônia’ e as primeiras músicas, extraídas do repertório do material remasterizado e relançado, foram ali apresentadas por ele.

Mas o show foi muito mais e maior. Houve Mautner só, houve Caetano só e houve mais e maior: uma conjunção dos dois, repassando faixas do disco fizeram juntos em 2002, ‘Eu não peço Desculpas’.

O espetáculo começou com a apresentação solo do dono da festa.  A Louca da Casa já andou brincando aqui com ‘O Filho do Holocausto’, mas aqui era Mautner, voz e violino. E banda e muita prosa. Falando pelos cotovelos, como sempre, ele se policiava por isto em  uma auto-ironia anedótica, fazendo piada de si.

Saem todos do palco e entra Caê, que, em seu momento,  apresenta canções suas, pinçadas de seu vasto repertório. Houve ali representantes de Cê, Transa, Abraçaço, entre alguns outros.  Ele fez entrada e show muito íntimos e pessoais. Antes, só e intimista,  depois junto à banda que acompanhou aos dois na noite, Caetano presenteou ao público com pérolas e deu um tom refinado à sua participação.

Na última parte deste rico espetáculo três em um, Mautner volta ao palco e a dupla repassa “Eu não peço Desculpas”, seu álbum conjunto.

Neste momento, Caetano faz uma pausa reafirmando Mautner, musicalmente, como o amálgama brasileiro por excelência, “de Jesus de Nazaré aos tesouros do Candomblé. “Isto porque foi Jorge Mautner quem descobriu o Brasil” reitera depois de algumas canções legendando a mistura que representa o tipo brasileiro, além das muitas interpretações de nossa cultura.

E o show foi inspirador. Não  só pela verve do anfitrião, mas pela participação mais que especial,  ora  em ‘tom’ particular ou nos ‘Três Tons’ de Mautner.