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domingo, 29 de março de 2015

dor e doçura


Impotente diante do inexorável, ainda assim, estabelecendo alguma luta, sabendo-na vã. Sem épica possível, Juliane Moore nos conduz pelos descaminhos crescentes e inevitáveis do Alzheimer.

Filme belo, franco e constrangedor, ‘Para sempre Alice’, traduz para o espectador o desvanecer de sentidos produzido pela doença. Assim, na pele de Alice, uma brilhante professora universitária de linguística, afetada precocemente pelo mal de Alzheimer, Moore exibe a dose certa de força e vulnerabilidade.  A Dra Alice Howland é, assim, uma renomada professora universitária com um casamento feliz com um pesquisador, três filhos com problemas normais, a quem, ao redor dos 50 anos, as palavras começam a faltar. Diagnóstico rápido, um caso raro de Alzheimer precoce, de prognóstico conhecido, o começo do fim de uma vida útil.  

Começando por estas palavras que lhe fogem, se perdendo pelas ruas de Manhattan, deixando passar compromissos, ela vai descobrindo rastros de seus lapsos no quotidiano e assim nos apresentando o doloroso (des)caminho do Alzheimer. Dar laço no cadarço se torna uma tarefa árdua porque muitas etapas; identificar a filha-atriz em uma peça de teatro, entre tantas outras, é tarefa árdua. Qualquer estímulo a tira do caminho a que se propunha e a faz se perder... de si, esquecendo o que fazia, o que queria ou buscava. Como ela mesma descreve, ela segue aprendendo a arte de perder. “This is hell, but it gets worse”, traduz ela.

E de perda em perda, a impotência diante do tempo... e a frustração decorrente.  Como seguir em frente quando não há mais nada atrás? O que pode sustentar nossos propósitos, senão a memória? O filme radiografa o passo a passo da doença, traduzindo –a gradativa e duramente, a cada cena e Juliane, assim, desfia dor e doçura a cada passo, a cada lapso.

É uma lenta e inexorável perda de si mesma. Os detalhes mais comoventes estão em suas desesperadas tentativas de não perder completamente o rumo de suas tarefas cotidianas, criando lembretes para si mesma das coisas mais banais. Assim, ela se mune de técnicas e artifícios para não esquecer e persistente, exercita sua memória exaustivamente. E aí, fica a dor diante da perda da força do seu querer e de qualquer controle sobre toda função cognitiva, sobre tudo que ela construiu toda a vida.

Em franco processo de aniquilamento, de deixar de ser quem um dia foi, Juliane dá um tom franco às perdas que se seguem. Não há excessos melodramáticos. Uma abordagem franca de um drama tão devastador.

Falou alto em mim, a identidade em alguns momentos. Na perda do controle sobre si mesmo e sobre o querer, sobretudo. Na tentativa permanente e incansável de se reencontrar, sabendo que o eu mesmo não está mais lá. Nunca está após tudo tanto. Eu sou é eu mesma, mas eu mesma outra. Belo e constrangedor, o filme.

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