Tivemos, dias desses, pelas bandas da Rodésia, uma noite
mineira como despedida de uma flatmate especial. Uma despedida mineira como sou,
para plantar nela um gostinho e vontade de volta. Uma noite mineira na
comida, na bebida, na música e na prosa para uma flatmate, feita amiga, sueca.
Assim, nesta noite, Belo Horizonte e Nova Era encontraram Malmo em um atlas
particular e afetivo.
Começamos nossa noite desenhando alguns contornos da mineiridade
para ‘nossa’ sueca.
Iniciando pela espinha dorsal do ser mineiro, introduzimos
toda prosa e todo causo com o afeto, tempero mandatório na cozinha e nas
relações, ingrediente de todo prato da cozinha e atitudes do entorno relacional
e afetivo, portanto... ( aí... viu?). E a bem querência é o resultado de
cozinha assim, com uma vontade de doçura sem fim.
Buteco é uma quase instituição do entorno mineiro, porque
mineiro que se preza é butequeiro. Para resolver algum algo, para encontrar
amigos, para um pré qualquer coisa, para um pós todo o resto ou mesmo para a
coisa em si: butecar por butecar, eis a questão. Com uma cerveja ( a inteira, nada
de long neck) servida em copo lagoinha, porque butequeiro filho legítimo só
toma cerveja aí. Uma boa taça está para
o vinho assim como o copo lagoinha está para a cerveja.
E aí habita uma carência de São Paulo. Aqui tem o mundo, eu
sei, mas quaaaaase nunca, em lugar nenhum, tem buteco. Tem bares, para todo
gênero, toda cor, todo gosto e todo credo. Mas ora estilosos demais para butecos,
ora pé de chinelo e copo sujo demais para tanto.
Buteco tem também um tom afetivo, senão não é. É aquele bar
do ladim de casa ou da faculdade ou do trabalho que para convidar alguém para
algo, gasta uma puta contextualização.
Para além destas nuances do espaço geográfico, temos
particularidades mais profundas, quase idiomáticas. As contrações de palavras ou frases inteiras,
carregando aqui também, um plus a mais do afeto, formam quase um dialeto. E é nato.
Nascemos falando assim. Quando aprendemos a nos expressar (mais do que falar)
não é ‘pode deixar’, por exemplo, que dizemos ou que assimilamos. É podexá. E podexá que assim a gente se entende
e se vira bem. Se pensar bem, racionalmente, não aplicar soa a desperdício. Uma palavra
terminando em ‘de’, seguida de outra começando em ‘de’, soma-se tudo e se acabô.
Nosso senso de praticidade e familiaridade na fala, nos
guia, podexá!
Por esta mesma lei , segue inteiro universo vocabular:
oncetá, onkovô, onquotô, cadivó, ladilá e por aí vai. E continuando por esta mesma trilha de nossos ‘descaminhos’
linguísticos temos, ainda fortes, os diminutivos reduzidos, assim, redundantes.
Além de diminutos no significado, o são na forma porque a regra aqui corta a
palavra (once again). Poquim, bunitim, novim, cafezim, suquim, pertim. E os
diminutivos carregam um significado que vai além de sua definição. Pertim é
deveras perto porque funciona como um superlativo. Não há nada mais perto que
pertim. E o diminutivo mineiro segue também pela linha do afeto.
Pertim é gostoso de ir. “Vai boba, que é bem pertim”. Você vai andando com
prazer porque é logo ali na esquina, pertim todavida.
E pronto, outra instituição mineira, a esquina. Tudo
acontece na esquina e tudo fica logo ali na esquina. Não se localiza nada sem
definir esquina de que com quê. E aí o mineiro se deixa filosofar, ainda que geograficamente: um ponto não
é sozinho, ele só é em relação a outro.
A cadivó (junto com a cadivô) é outra instituição carregada
de afeto e significados pessoais. A minha cadivó não carrega os mesmo
significados que a sua, nem de ninguém. Ela pode ter todos os significados
particulares e contornos bem diferentes. A minha cadivó pode sigfinificar mais,
pode ter mais açúcar com afeto, pode ser mais parte do que sou, pode me
legendar ou só fazer parte da saudade.
Um poquim na cadivó, um cadim num buteco com os amigos, sempre no copo
lagoinha, em qualquer esquina de qualquer cidade, sempre queirosa de tudo tanto. Sempre perguntando proncovô? quecosô?onkotô? Em todo e qualquer canto, a mesma resposta: não importa, onde quer que eu vá, Minas me habita.
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