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domingo, 1 de março de 2015

mineiridade temperada no afeto

Tivemos, dias desses, pelas bandas da Rodésia, uma noite mineira como despedida de uma flatmate especial. Uma despedida mineira como sou, para plantar nela um gostinho e vontade de volta. Uma noite mineira na comida, na bebida, na música e na prosa para uma flatmate, feita amiga, sueca. Assim, nesta noite, Belo Horizonte e Nova Era encontraram Malmo em um atlas particular e afetivo. 

Começamos nossa noite desenhando alguns contornos da mineiridade para ‘nossa’ sueca.
Iniciando pela espinha dorsal do ser mineiro, introduzimos toda prosa e todo causo com o afeto, tempero mandatório na cozinha e nas relações, ingrediente de todo prato da cozinha e atitudes do entorno relacional e afetivo, portanto... ( aí... viu?). E a bem querência é o resultado de cozinha assim, com uma vontade de doçura sem fim.

Buteco é uma quase instituição do entorno mineiro, porque mineiro que se preza é butequeiro. Para resolver algum algo, para encontrar amigos, para um pré qualquer coisa, para um pós todo o resto ou mesmo para a coisa em si: butecar por butecar, eis a questão. Com uma cerveja ( a inteira, nada de long neck) servida em copo lagoinha, porque butequeiro filho legítimo só toma cerveja aí.  Uma boa taça está para o vinho assim como o copo lagoinha está para a cerveja.

E aí habita uma carência de São Paulo. Aqui tem o mundo, eu sei, mas quaaaaase nunca, em lugar nenhum, tem buteco. Tem bares, para todo gênero, toda cor, todo gosto e todo credo. Mas ora estilosos demais para butecos, ora pé de chinelo e copo sujo demais para tanto.
Buteco tem também um tom afetivo, senão não é. É aquele bar do ladim de casa ou da faculdade ou do trabalho que para convidar alguém para algo, gasta uma puta contextualização.

Para além destas nuances do espaço geográfico, temos particularidades mais profundas, quase idiomáticas.  As contrações de palavras ou frases inteiras, carregando aqui também, um plus a mais do afeto, formam quase um dialeto.  E é nato.  Nascemos falando assim. Quando aprendemos a nos expressar (mais do que falar) não  é ‘pode deixar’, por exemplo, que dizemos ou que assimilamos. É podexá. E podexá que assim a gente se entende e se vira bem. Se pensar bem, racionalmente, não  aplicar soa a desperdício. Uma palavra terminando em ‘de’, seguida de outra começando em ‘de’, soma-se tudo e se acabô.  Nosso senso de  praticidade e familiaridade na fala, nos guia, podexá!

Por esta mesma lei , segue inteiro universo vocabular: oncetá, onkovô, onquotô, cadivó, ladilá e por aí vai. E continuando por esta mesma trilha de nossos ‘descaminhos’ linguísticos temos, ainda fortes, os diminutivos reduzidos, assim, redundantes. Além de diminutos no significado, o são na forma porque a regra aqui corta a palavra (once again). Poquim, bunitim, novim, cafezim, suquim, pertim. E os diminutivos carregam um significado que vai além de sua definição. Pertim é deveras perto porque funciona como um superlativo. Não há nada mais perto que pertim. E o diminutivo mineiro segue também pela linha do afeto. Pertim é gostoso de ir. “Vai boba, que é bem pertim”. Você vai andando com prazer porque é logo ali na esquina, pertim todavida.

E pronto, outra instituição mineira, a esquina. Tudo acontece na esquina e tudo fica logo ali na esquina. Não se localiza nada sem definir esquina de que com quê. E aí o mineiro se deixa filosofar, ainda que geograficamente: um ponto não  é sozinho, ele só é em relação a outro.

A cadivó (junto com a cadivô) é outra instituição carregada de afeto e significados pessoais. A minha cadivó não carrega os mesmo significados que a sua, nem de ninguém. Ela pode ter todos os significados particulares e contornos bem diferentes. A minha cadivó pode sigfinificar mais, pode ter mais açúcar com afeto, pode ser mais parte do que sou, pode me legendar ou só fazer parte da saudade.

Um poquim na cadivó, um cadim num buteco com os amigos, sempre no copo lagoinha, em qualquer esquina de qualquer cidade, sempre queirosa de tudo tanto. Sempre perguntando proncovô? quecosô?onkotô? Em todo e qualquer canto, a mesma resposta: não importa, onde quer que eu vá, Minas me habita.

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