'NATUREZA DA GENTE NÃO
CABE EM CERTEZA NENHUMA'
NOTA METALINGUÍSTICA
“pode ser a travessia do fantasma, pensar tanto na dimensão do trabalho
da rememoração, no atravessamento do trauma, como no processo da escrita: uma
travessia da palavra.”
Era para ser assim, a travessia do fantasma, do trauma, pela
palavra. Mas quando me propus a ‘ensaiar’ este tema, revisitar doloridos
caminhos percorridos (e não lembrados) não tinha a dimensão da catarse à
espreita.
Um acidente, suas sequelas, a recuperação.
Com o detalhe um tanto peculiar de que a principal consequência
é (ainda) a perda da memória e foi, por um longo tempo, também da capacidade de
memorizar.
E a recuperação, feita longo processo, tem sido, de fato, uma reconstrução do ‘self’, termo usado por
Carl Joseph Jung, para definir “o
programa arquetípico que constitui nosso ser em potencial, a personalidade
total, com sua parte consciente e inconsciente.”
Quem sou eu se minha memória se cala? O que sou além de suas
construções? Pois… sigo aprendendo que o que somos está enraizado em nós e, de
alguma forma, independe da memória, manifestando-se, muitas vezes, de modo
inconsciente nas escolhas, na opinião, nas atitudes e nos ‘des’caminhos vida afora.
Este ensaio é, portanto, uma autoanálise reflexiva de algo
muito forte que me aconteceu, de que não, não trago ‘cá comigo’ todas as
lembranças, mas que já guardo distância suficiente para um olhar de fora. Me brota
das entranhas, sou eu, mas já consigo, por exemplo, olhar e separar o que sou desde sempre e o que nasceu em mim pós
acidente, se fazendo, de alguma forma, sequela.
Apesar de a Poliana de sempre ser, hoje, pós-acidentada, já as identifico e vou aprendendo o momento separá-las.
Foi, e é, uma grande experiência pessoal que me faz crescer
aqui, dentro de mim. Não tenho, ainda, a noção completa do todo e quero, assim,
(e quero sim!) compreender para compartilhar.