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domingo, 25 de agosto de 2013

elogio da reflexão


Buscando compreender extremos da conduta humana, ‘Hannah Arendt’ é um convite à reflexão.

O filme escapa do maniqueísmo simplificador ao analisar difícil capítulo da história complexa dos homens, suas causas e bandeiras, desde sempre. As ideias ousadas e corajosas de Hannah Arendt sobre o nazismo são o fio condutor do filme da diretora alemã, Margarethe Von Trotta, que mostra os caminhos das reflexões da pensadora até chegar ao conceito de ‘banalidade do mal’.

A teoria defende um efeito burocratizador dos atos com a assinatura do nazismo; um sistema dotado de estrutura de poder, que fazia do terror a forma central de relação do Estado e seus cidadãos. Normas, autoridade e momento histórico, portanto, teriam um peso ‘relativizador’ nestas ocorrências ou na(s) culpa(s) delas decorrente(s).

O filme foca em um momento particular da vida de Arendt quando ela, já então renomada filósofa, se oferece à revista ‘The New Yorker’ para fazer a cobertura do julgamento de Adolf Eichmann, criminoso de guerra nazista, em Jerusalém, 16 anos após o fim da 2ª Guerra Mundial.

E sua postura nos artigos desperta polêmica, ao nos convidar a pesar, junto com ela, que nem todos ali eram demônios, alguma espécie de aberração moral.  A ‘banalidade do mal’ se traduz na constatação de que muitos eram meros burocratas, convencidos da legitimidade do nazismo, abdicando da consciência individual para medir seus atos.

O filme coloca assim, frente à frente, extremos opostos: o horror dos atos X a mediocridade dos homens. Buscando não personificar o estado nazista em indivíduos, ela se explica: “o maior mal do mundo é o cometido por  ninguém”.

Um mérito forte do roteiro é nos trazer Hannah inteira. Tem foco, sim, na intelectual, filósofa e professora, mas não a mitifica, trazendo também a mulher, a esposa e suas relações cotidianas.

Suas análises geraram crítica, polêmica, indignação. Sua avaliação justificando, de certa forma, a postura de Eichmann, foi considerada uma absolvição. Apesar de judia, perseguida na Alemanha e feita apátrida, entre outros direitos privados; no olho do furacão, portanto, ela se muniu da capacidade de olhar de fora. Conseguiu refletir, pesar e reavaliar. E nos levar em suas reflexões.

domingo, 18 de agosto de 2013

a artista está presente




E ela, inteira,  se (e nos) basta!

Em 2010, o MOMA, Museu de Arte Moderna de Nova York, realizou retrospectiva de quarenta anos de carreira da sérvia, Marina Abramovic, cuja principal atração era a presença  da artista.

De Março a Maio daquele ano, sete horas por dia, seis dias por semana, totalizando 736 horas, Marina estava ali, sentada de frente para o público, confrontando, assim, o papel do artista, sua função, extensão e os limites entre profissional e pessoal na vida deles. Existe separação?


Sincera, inteira, aberta e ‘limpa’, ela se entrega e sua  presença contagia de forma magnética o público que encara filas madrugada adentro simplesmente para estar  com a Marina e se permitir o saldo deste encontro, de um olhar. Da artista presente.


Uma retrospectiva peculiar porque retrata um histórico de uma artista que sempre privilegiou performances, ações no terreno artístico que promovem interação entre artista e público, realizadas para não serem repetidas. Assim, jovens artistas foram convidados para reapresentações de atos marcantes de sua carreira, a maioria deles com Ulay, pseudônimo de Uwe Laysiepen, antigo parceiro de vida e arte.


No documentário, feito a partir desta sua apresentação e da comoção que ela causou, Marina destaca o quanto já foi desclassificada pela crítica de arte, ou classificada pejorativamente. O peso desta colocação,  se sente quando sabemos que o doc trata de uma individual retrospectiva da artista no MOMA, uma das mais importantes  instituições culturais de nosso tempo. A coleção do MOMA constitui uma das maiores e mais reconhecidas panorâmicas sobre as artes moderna e contemporânea.


Destaca-se no documentário, a participação de Ulay, com quem ela dividiu performances e projetos, de forma simbiótica, por 12 anos.  Uma dependência recíproca prolífica, com denso histórico artístico. Depois de um fim de romance e de parceria artística turbulentos, passaram 20 anos sem se falar.


Com reencontro arquitetado pelos produtores do filme, ele vai ver a artista presente. Com a ‘visita de Ulay, Marina se rende, quebra seu protocolo, lhe dá as mãos e seus olhos sinceros se desmancham em lágrimas. Depois de um histórico da relação dos dois, vida pessoal e artística, documentário afora, devidamente carregados do peso deste encontro, o vemos na fila buscando o olhar da artista.


E é este olhar o que move o público emocionado e as quase duas horas de filme. Uma linguagem cifrada em um rosto expressivo e denso, que nos transmite a potência de sua arte. Ela conecta todos que ali se sentam, na frente dela,  através do olhar e se dedica inteira a cada um. E aí, sentimos a força do close up quando usado com sabedoria.


Ela se questiona, assim, de seus limites e nos faz questionar dos da arte.  Provocando reações verdadeiras, pelo olhar, ela mostra a todos que está lá.


O que fica depois de tudo, todos os olhares, todos os visitantes, depois da retrospectiva e do filme é que, como bem diz  Ulay ao longo do filme, ‘She’s never not performing’. Ela É a artista ali presente. Temos contato com a mulher por traz da artista e ela é, também, artista.


“Mas o que é arte, senão a revelação da natureza humana?” nos pergunta Marina.

domingo, 11 de agosto de 2013

eu sou é eu mesmo



o que ela quer da gente é coragem
                               

Vividas  todas estas perdas, todas as dificuldades, tendo de me recondicionar e reaprender cada curva do caminho, a poliana cresceu em mim.  Um olhar contente (do jogo) e uma capacidade de fazer crescer cada pedacinho do cotidiano, das relações, da vida. Tudo sobrevalorizado,  ganhou dimensão ritualística.

As perspectivas que tive, ao sair do terceiro hospital, eram nubladas. Pode ser tudo ou pode ser (mais) nada. Poliana e determinada que sou, resolvi que seria tudo. E me dediquei e me dedico. Todos os dias, em todos os detalhes ao meu alcance.

E estou lá, em tudo, tanto, que às vezes paro e me pergunto se a vida já era assim, tão exponencial, antes.

Como o ser PNE (a tal portadora  das necessidades especiais) se tornou um coringa em minhas mãos, uma espécie de pré-justificativa, de prefácio, preâmbulo, antecipando meus atos e já justificando, por antecipação, eventuais falhas, o objetivo da vez  é deixar de me valer desta condição como justificativa para tudo. O que eu não  conseguir ou não lembrar, é humano, sou eu. E “eu sou é eu mesmo”.

“Escute meu coração, pegue meu pulso. O senhor sente?” 

domingo, 4 de agosto de 2013

eu sou é eu mesmo


vou indo aprendendo a contar corrigido - eu, personagem de mim



Conto e escuto como se não fosse eu. Como não tenho lembranças do acidente ou do processo de recuperação, de qualquer dor, de qualquer ocorrência ao meu redor, vou ouvindo e me fazendo personagem. Me emociono, me divirto, repito o que me é contado em tom de ‘causo’, invisto no suspense. Ouço e aprendo. Tudo como se não fosse eu.

Passei  meses sem entender aquele tanto de gente ao meu redor, a comida para mim, na cama, minha mãe me dando na boca, porque eu não comia sozinha, as pessoas me ajudando a caminhar, a ficar de pé. Passei meses sem entender e sem questionar.  Eu não estava lá.

E não me lembro de um momento do ‘dar-me conta’. A  certa altura, eu sabia do acidente e de algumas de suas nuances. Mas sigo aprendendo de mim. Sempre que minha mãe ou alguém próximo me conta alguma história relativa ao acidente ou aos processos adjacentes, descubro algo novo. Que não sabia ou não lembrava.

Hoje, ainda sem muitas lembranças, mas ciente de tudo, a história que optei por contar e segue comigo, legenda de meus dias, fala de uma não consciência enorme seguida de dificuldades adquiridas (e superadas). Se amarra forte na descrição de uma vitória feita de superação. E a conclusão é sem fim, ‘na estrada’. Sigo meu caminho sem guardar lembranças de dores ou sofrimentos, nuances, fatos e ‘fotos’  do acidente , mas carregando  comigo um grande aprendizado na bagagem.

“O eu verdadeiro é aquele que se inventa, que leva a uma atitude.”