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sábado, 30 de março de 2013

um mar de metáforas



A longa, fantástica, e por vezes épica, jornada de um rapaz em um convulso e interminável oceano, na companhia de um tigre faminto. Além de instigante por si, pela trama e por sua abordagem, nos significados e na estética, ‘As Aventuras de Pi’, o filme, significou, para mim, um novo olhar sobre a velha Índia, refletida em um seu personagem. Um novo olhar de quem ali viveu por um tempo e há tempos e que se surpreendia (e se encantava) todos os dias com as óbvias diferenças na cultura, refletidas nitidamente no comportamento, ao dia e no detalhe.

Começou pela música, esta viagem de volta à Índia através das telas do cinema. Passando pelo inglês local, tão característico, pelas feições, pelo humor inocente, pela magia, pela filosofia de vida. Viagem transoceânica passou ainda pela dança, pelas cores, pelo inconfundível (e muitas vezes alvo de paródia) gesto de anuência, balançando a cabeça para os lados.

Saindo da Índia e, à busca do caminho marítimo para as Américas, em nítida inversão de uma “falha” histórica, a família de Pi, Piscine Molitor Patel, se vê submergindo sob forte tempestade. Literalmente.

Pi consegue escapar (a princípio e aparentemente) só, mas na companhia de alguns dos animais do zoológico que seu pai tinha na Índia e que traz consigo na tentativa de que os ajudem a ‘fazer a vida na América’. Em pequeno bote salva vidas, ele, uma hiena, uma zebra, um orangotango e um tigre escapam de um naufrágio.

E assim, Pi e sua ‘Arca de Noé’, começam a enfrentar em mar revolto, uma tempestade de metáforas caminho afora, numa viagem que se fecha em tom de fábula.

‘As Aventuras de Pi’ é Ang Lee.  Denota verossimilhança em mundos paralelos e fantásticos.

E Ang Lee, na sua melhor forma, nos transporta para dentro de sua estória. Imersos em sua lógica estamos, nós mesmos, edificando as razões do filme, buscando o tom de suas metáforas e admirando uma inegável beleza plástica.

sexta-feira, 22 de março de 2013

a 'nega' gingando




Assistir a um show de Elza  sempre deixa em nós definitiva sensação de improviso, de forte atuação intuitiva.

Em apresentação de sua turnê 'Deixa a Nega Gingar', com participação especial de Gaby Amarantos, no SESC Pinheiros, não foi diferente.

Porque Elza traz, e mostra, sua naturalidade e fluência. Na música, no palco, na relação com os músicos, no trato da platéia, até.

É, muitas vezes, como um vocalize, jamming no vocal.

Se intencional ou por descuido, melhor não saber. Fica a intuição (e a intenção) a denotar suas 'brincadeiras' silábicas ritmadas.

Gaby Amarantos, em curta (e discreta) participação, um pouco apagada no show, a certa altura, expressa  com eloquência sua admiração.  Talvez um nome, uma voz e uma atuação conduzida pela intuição a tenham intimidado.

Mas ela destacou-se, contudo, junto à anfitriã da noite, na apresentação de 'Samba Ziriguidum', de Jackson do Pandeiro, com seus fortes malabarismos vocais, originalmente executados. Aqui, também a Elza intuitiva falou alto.

Ao final, três tambores integram o elenco no palco e palmas ritmadas do público se unem à sua sonoridade, acompanhando, todos, um ótimo pout pourri de tradicionais sambas enredo.

Recém operada da coluna, Elza levanta-se de sua cadeira e faz todo o público dançar.

'Mas isto não impede que eu repita: é bonita, é bonita e é bonita...'

domingo, 17 de março de 2013

estória ambulante



Bom Retiro 958 metros. Não, esta não é uma prova de atletismo que acontece neste bairro, em São Paulo. São, sim, 958 metros de caminhada pelas ruas desta mesma vizinhança, mas acompanhando uma peça de teatro, deambulante, que utiliza a cidade como espaço cênico.

Tendo a Oficina Oswald de Andrade como ponto de encontro e a rua como palco, o Teatro de Vertigem apresenta, em uma espécie de mergulho no cenário, fortes características formadoras do Bom Retiro.

O fluxo migratório intenso, o consumo, a moda, as relações de trabalho constituem os pilares deste edifício em construção. Fruto de um processo colaborativo dinâmico, a peça continuou a ter seu texto alterado, após a estreia.

São situações entrecruzadas em um shopping, marquises de lojas fechadas, cruzamentos, vitrines, entre outros, retratando ‘subprodutos’ sociais de uma ‘des’organização migratória.

O Teatro de Vertigem é forte na exploração do espaço público. Nesta história, que corre um kilomêtro ‘Bom Retiro’ afora, é interessante observar a maneira como a peça faz uso da cidade, seu ritmo, seus tempos e movimentos, sua dinâmica e, dentro disto, como os atores articulam a disposição do público.

Através de personagens seus, as ruas do bairro nos contam sua história. Uma faxineira de shopping ( do ‘Dopping Center’!), um viciado em crack, uma manequim, dessas de vitrine, uma noiva, crias de um nosso desvio social, nos mostram em pequenas e seguidas esquetes, outros ângulos, que não os oficiais, deste cenário, também da vida real.

Com o correr da peça (ou o andar, para ser mais precisa e literal) nos fica claro que aquele bairro, o Bom Retiro, pelos menos nos 958 metros percorridos, existe no e para o dia. É um pedaço da SP ‘útil’. Dos dias e horas úteis. E, assim, fica mais forte e apropriada a alocação da trama e do ‘submundo’ que representa.

Ótimos todos! A história, a peça, a experiência.

sábado, 9 de março de 2013

o som e a fúria


Indo de Villa Lobos a Radiohead, de Chopin a Luiz Gonzaga e misturando todos, Vítor Araújo surpreende. Surpreende não só pelo novo, pelo experimental, pela mistura pulsante que traz, mas pela qualidade inquestionável, pela  imersão e conseqüente catarse que aparenta experimentar em seus shows, através de sua música.

Vítor Araújo, com seus 18 anos, subverte uma nossa idéia de concerto, misturando música contemporânea e popular com erudita. Brincando com as canções, trocando sua ‘roupagem’, como diz gostar de fazer, ele nos propõe um quebra cabeças onde peças absolutamente distintas teimam por se encaixar. E o fazem.

Neste ritmo, em show no teatro do SESC Pompéia, ele apresentou seu quase primeiro álbum; A/B. É que o primeiro, de fato, foi um registro ao vivo de um show e o A/B vem recheado de composições próprias e (inusitadas) releituras.

Durante a apresentação, ele parece pulsar no ritmo da música que produz. Parece estar dentro dela.  Por isto um ‘recurso cênico’ utilizado, legendando o que seriam suas falas, pareceu uma solução muito útil para um artista visivelmente imerso. Em bem humorado, mas silente, diálogo com o público, ele se traduz nas legendas e nos apresenta seu experimentalismo total. De música, de atitude, de palco, de forma.

Experimentando toda a intensidade proposta; imersa, também, mas em algo  que não conseguia dimensionar, pensei na elevação que a música algumas vezes provoca. Uma elevação que nos colocaria algo além do humano.

Mas não... retifiquei imediatamente, ainda no pensamento. Não crescemos além... O humano é grande. Músicas assim refletem o humano em sua faceta mais sublime.

Pausa para respirar.


terça-feira, 5 de março de 2013

luar do sertão


No ritmo das homenagens ao centenário de Luiz Gonzaga, Antônio Nóbrega, acompanhado por sete músicos, nos apresenta sua obra com originais e modernos arranjos. É 'Lua', um passeio completo pelo sertão, a que ele nos conduz.
O multiartista, em sua face musical, nos conquista trazendo Gonzaga na voz e o nordeste em seu sotaque. O dançarino trazia a cadência da região no jogo do corpo. Histórias e contextualizações traziam seu pedaço ator.
Nóbrega tem uma identidade artística tão forte que ele não é o personagem. É ,nitidamente, ele interpretando o personagem.
As canções eram, então, contadas, cantadas, representadas e dançadas.
Nos embalos de Gonzaga, uma quadrilha puxada e conduzida por ele, levanta o público, faz dançar e exalta os ânimos.
Aplausos.

domingo, 3 de março de 2013

terreno fértil



Era sexta feira. Aquele dia, saí do trabalho pensando, e sentindo, que não tinha qualquer condição, física ou mental, de ir ou de acompanhar um show, que estava, como sempre, em minha programação cultural do final de semana que se esgueirava. O que eu tinha, maior que eu, era um cansaço sem eira nem beira.

Mas a virginiana dentro de mim, decidida e de personalidade forte, não me deixou furar uma agenda cultural, construída com esmero, há muito já. E eu não conhecia Pitanga em Pé de Amora. Havia, já, lido algo  a respeito e tinha, portanto, boas referências.  Me arrastei até o SESC Pompéia;  trem, metrô e ônibus, fazendo de meu caminho, terreno para engordar minha contextualização acerca de tal ‘pomar’ diferenciado.

Li primeiro que, diante da dificuldade para definir o nome de algo que já estava vivo, tocaram esta marchinha, ‘Pitanga em Pé de Amora’, e decidiram adotar o nome.

Mas este nome, aleatoriamente escolhido, acabou ganhando uma significação que lhes explicava. ‘Mais perdidos que pitanga em pé de amora’. Esta foi a legenda inicial do nome do grupo. Não chega a tratado filosófico, mas  é, sim, um questionamento de identidade.

Com repertório próprio, mas passeando  por   elementos do cancioneiro brasileiro e mundial, sua música se faz múltipla. São marchinhas carnavalescas, sambas, baiões, frevos e choros,  desprovidos de ‘uma sua’ roupagem  tradicional, se misturando com discursos jazzísticos e de vanguarda, unidos todos em um mesmo show. As  canções são  novamente  compostas, arranjadas e interpretadas pelos seus integrantes. Eles tiram, assim, canções de nosso cancioneiro e dão nova leitura. Releituras plenas, de todas as facetas.

Novas sonoridades são sempre incorporadas, quando o sentimento de adequação de um novo instrumento os assalta, como conta Daniel Altman,  componente, multi-instrumentista, como todos.  Ângelo Ursini  toca clarinete, sax, flautas e escaleta, Daniel Altman, o violão de 7 cordas, Gabriel Setúbal toca trompete e violão e Flora Popovic toca pandeiro, surdo e percussão.

Diante de uma definição  ‘tudo tanto’, comecei a me animar. E veio o show…

Violões em arranjos elaborados nos conduziam por suaves e belas veredas sonoras. Uma sofisticação instrumental temperava aquela cadência suave, vez por outra adornada com metais e tambores. Muitos. Uma percussão se somava, ainda, àquela mestiçagem, à mistura rítmica.

Uma bossa, um chorinho, um samba, uma cantiga; todos temperados por uma batida meio choro, meio jazz.

E foi assim que uma miscigenação de ritmos, com  metais e tambores protagonizando, trouxe descanso e conforto a corpo e mente exauridos. Uma doce trilha para uma cabeça a mil.