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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

a vida de outra mulher




Um filme que começa nas reticências, no subentendido. Na vida de uma mulher que se sente outra. Marie, ao acordar, não entende o que acontece consigo. Nem nós.

Ela acorda sem a memória de seus últimos 15 anos. Sem, portanto, memórias de seu casamento, de seu filho, de seu papel de alta executiva.

A convivência em casa, o dia-a-dia, a vão fazendo redescobrir. E optar, no entanto, por não se reconstruir. Não como antes.

Todas as suas surpresas; as surpresas de todos à sua volta me levam, me conduzem por um caminho que conheço bem.  Me fazem olhar para traz e para dentro e encarar, de novo, cada pedaço desta história que vivi, ao dia, e  que teve a des-memória como protagonista. Pela primeira vez, no entanto, com os olhos do outro, pisando fora do turbilhão.

Não, eu não acordei, da noite para o dia, com uma lacuna em minha vida. Acordei de um mês de sono profundo, mais conhecido como coma e outros três ou quatro meses sem qualquer sombra de consciência ou lembrança. ‘Acordei’ deste período, só aí percebendo que faltavam algumas peças a meu quebra cabeças de vida (muitas). Algo entre 7 e 10 anos me escapavam. A capacidade de novas construções no campo da memória também não estava lá. E eu não reconhecia, identificava ou mesmo entendia o que me contavam ou me mostravam.

Da noite para o dia, eu morava em São Paulo, já há 2 anos. Eu fazia MBA em gestão financeira há um ano (e gostava!). Pior, eu trabalhava no departamento financeiro. Eu já havia ido ao Japão, a trabalho. Conhecia 80% das capitais brasileiras em viagens, também a trabalho. Meus avós paternos e outros tantos tios e conhecidos já haviam falecido. Cássia Eller também.

É aí que se instala um questionamento quase existencial: eu realmente vivi ontem o que não deixou nem poeira hoje?  Qual o peso e o valor de cada curva do caminho que se torna ‘descaminho’? Qual o valor de tudo e qualquer coisa na vida sem uma bagagem mnemônica?

É um vazio atrás de ti incapaz de botar legendas nas tuas escolhas, nas tuas paixões. Incapaz de explicar as curvas de teu caminho, de te explicar.

Mas, eternamente poliana, enxergo nisto tudo a possibilidade de me colocar no papel do outro e avaliar cada atitude, cada escolha, cada decisão caminho afora. De fora. Se acaso desconheço atitudes ou escolhas (por não me lembrar), vou lá verificar, me identifico e me justifico. Ou não. Não me encontro, discordo e me recoloco.

Uma outra mulher. A que tem o privilégio de escolher um ‘perfil’, uma postura aos trinta e cinco e se permite dar contornos diferentes ao que sempre foi, ao que viveu.  É aí, como uma segunda chance em tudo. Um outro olhar que surge de atitudes renovadas.

Hoje, vejo o quanto minha vida e meu bem estar dependem de reconstruções. E são, muitas delas, reconstruções do zero. REaprender e REconstruir muitos passos do caminho. Reconstruções com o propósito renovado, diariamente, de preencher as lacunas que a (falta de) memória fez. Nos carinhos, nas relações, nas construções afetivas, nas funções cognitivas, todas, nos gostos, nos prazeres e nos deveres.

Poliana, agora e para sempre: mas, apesar de tudo, de todas as lacunas, é uma trajetória estimulante porque ascendente. São pequenas lembranças, ao dia, me fazendo crescer dentro de mim e reaprender tudo, passo a passo.

Mas estas memórias todas que me escapam, me definem e me constroem de alguma forma.  Apesar de inconscientemente, tomam parte nos alicerces de minhas decisões e escolhas vida afora. O que gosto, o que quero, o que busco é definido pelo que sou. Que já faz aí, também, o caminho inverso. O que sou é, por sua vez, uma soma do que gostei e gosto, do que já quis e quero, do que sempre busquei, antes e depois... sempre!

Sou esta outra, não em função do que perdi, mas do que somei.

domingo, 26 de agosto de 2012

arte em meio à arte


O Instituto Inhotim,  localizado  em Brumadinho, a 60 Km de Belo  Horizonte –  MG,  é formado não só por um grande acervo de obras de arte contemporânea, parte do CACI, Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, como também por uma esplêndida coleção botânica, parte do Jardim Botânico local. Espaço onde arte e natureza convivem em relação única, com uma extensa coleção de espécies tropicais raras e um acervo artístico de relevância internacional.

Assim, dentro de rico parque ambiental, pode-se visitar importante acervo (não menos rico) de arte contemporânea, em um grande número de pavilhões-galerias, "imersos" em belo cenário,  em algumas partes natural e em algumas, projetadas pelo paisagista Roberto Burle Marx.

É um dos centros artísticos mais importantes do país que mistura, ali, duas formas de arte: aquela produzida pelas mãos do homem e aquela produzida pela natureza.

Aqui, começo pelo começo. E este começo é dos poucos pedaços dignos de crítica quando este centro de arte é o tema da vez. E o começo é o acesso. Não é um acesso fácil ou mesmo democrático. Não.   Limitado e restrito. Um ônibus sai todos os dias, da rodoviária de BH, às 9:00 da manhã e retorna às 4 da tarde. Um ônibus.  Um horário. E  é importante olhar com antecedência porque as passagens esgotam com freqüência.

Alternativas são os fretamentos particulares oferecidos por algumas operadoras de turismo e por particulares, até. Em geral, são ofertas para grupos, mas aí, condições e horários ficam a gosto do freguês. E de seu bolso.Em tempos de valorização e crescimento de um turismo tão autônomo, independente e acessível, também diante da imagem, internacional até, alcançada por Inhotim, este é realmente um ‘des-serviço’.

O CACI tem um porte considerável. Pinturas, esculturas, desenhos, fotografias, instalações das mais diversas, de artistas brasileiros e estrangeiros, muitos, são exibidos(as) em várias galerias espalhadas pelo Jardim Botânico.

É uma  seqüência  não-linear de pavilhões em meio ao parque ambiental. A quantidade de galerias e pavilhões e a distância entre eles, torna, às vezes (muitas), um dia, insuficiente para uma visita 'completa'.
Por isto e para isto,  Inhotim dispõe  de transporte interno, carros  elétricos com rotas pré-determinadas, a fim de facilitar o acesso a locais de visitação mais distantes. Este transporte, pago, possui rotas pré-determinadas e horários definidos.

Pelos carrinhos ou mesmo à pé,  o intervalo entre galerias é, a um só tempo, uma atração, e uma ‘pausa para respirar’.  O visitante, ao  chegar, tem diante de si inúmeras possibilidades de caminhos e percursos, onde ora se depara com obras de arte, ora com espécies raras de planta. Não há como sugerir um roteiro predefinido; melhor é se entregar e construir o seu. E tanta arte, tanto conteúdo, tanto significado  não nos desgastam  porque nos caminhos entre uma galeria e outra pode-se descansar, os olhos e a cabeça, admirando o paisagismo. Tempo para digerir, refletir e querer mais.

E  Burle Marx conduz parte de  nosso caminho nestes ‘intervalos’.  Parte da coleção botânica disposta
paisagisticamente, projetada por ele, ocupa uma área de 100 hectáres  de jardins botânicos.  O Parque Ambiental  é dedicado, quase em sua totalidade, às espécies ornamentais raras do Brasil e do mundo.
Ao todo, são cerca de 165    famílias botânicas, 851 gêneros e 3.000 espécies vegetais. Há, ainda,  três lagos ornamentais compondo o jardim.

A paisagem, por si, já é uma obra de arte em Inhotim.  O trabalho de paisagismo aqui é admirável, figurando como aliado e ampliador do prazer supremo da arte.

Hora do Recreio

Espalhados por Inhotim  estão lanchonetes, pizzarias, quiosques de cachorro quente, omeleteria, cafés, bares e, sim, dois restaurantes. Buffet livre de saladas e/ou pratos à la carte. Cozinha internacional ou opções típicas regionais.

Os preços. Bem, preços em museus e galerias não compõem parte atrativa de sua obra e Inhotim  não é exceção. Mas deixe a merendeira em casa. Não se pode trazer comida, petiscos, lanches. Não se pode tampouco (e consequentemente) fazer pic nic. E esta regra compõe minha outra crítica ao espaço. Pequenas, poucas, mas algumas. Em espaço tão bucólico fica a forte sugestão, e forte tentação, de um pic nic romântico ou  entre amigos. Encerramento de dia tão cultural,  às bordas de uma  toalha xadrez, erguendo uma taça de Carmenère à mais bela produção humana: a arte.

Outros Serviços

São oferecidas, aos visitantes, dois tipos de visitas temáticas; uma com foco ambiental, botânico e a outra com foco em arte. Ambas são gratuitas.



A recepção possui guarda volumes, onde bolsas e pertences podem ser deixados. E ali é onde se começa a perceber uma atenção, gentileza mesmo, de todos  os funcionários  solicitados a alguma informação ou algum serviço.  Todos bem informados e bem treinados. Informação é, aliás, a  base (forte)do site do CACI. Bem estruturado e informativo.  Se você precisa de  qualquer dado ou informação do local, visite o site. Toda necessidade ou possível dúvida é ali levantada e respondida.

Arte, Enfim 

Além de TODA a natureza descrita,  Inhotim possui grande e representativo acervo de arte contemporânea, nacional e internacional,  com  mais de 500 obras de 100 artistas de 30  países,  que  vem sendo formado desde meados da década de 1980.  É uma exposição da arte de várias regiões do mundo, que inclui arte chinesa, alemã, americana, inglesa etc. Aí talvez esteja uma particularidade  bastante louvável. O  CACI  nos coloca em relação com proposições bastante diferentes, mas adequadas à linguagem bastante aberta da arte contemporânea.

Além disto, acervo e exposições têm tripla curadoria. Sobre  suas razões de ser, nos conta o site: "A curadoria está a cargo de Allan Schwartzman, Jochen Volz e Rodrigo Moura. O fato de ser dividida entre profissionais, respectivamente, dos Estados Unidos, da Alemanha e do Brasil, é um reflexo de como a instituição  pensa internacionalmente, promovendo livre trânsito entre a arte produzida no Brasil e no exterior."

Há exposições temporárias e galerias reservadas a um acervo permanete.  Grande parte das  obras  ali  expostas  são instalações permanentes, muitas delas  realizadas dentro do conceito de site-specific  no qual os artistas convidados desenvolvem projetos especialmente  para o CACI, considerando  características  naturais e culturais.  Há pavilhões e galerias reservados exclusivamente aos artistas Tunga,    Cildo Meireles, Adriana Varejão, Vik Muniz,  Hélio Oiticica, entre outros. Os artistas internacionais incluem Doris Salcedo, Matthew Barney, Olafur Eliasson, entre muitos outros nomes, nacionais e internacionais.

Os visitantes de Inhotim vão, todos com altas expectativas, criadas por visitantes anteriores. E todos conseguem, ainda assim, sair, de alguma forma, surpreendidos e maravilhados. A dimensão do lugar, a relação das obras com o espaço fazem desta visita uma experiência singular.Experiência, muitas vezes, sensorial, na descoberta e sinestésica na comunhão de distintas artes e na relação estabelecida entre elas.

Ali é particularmente notória, também, a importância da arquitetura e da paisagem na promoção da
interação. Na qualidade da interação, que é uma marca forte em Inhotim. São programas em desenvolvimento que só se completam com a presença do público, aqui participador e não expectador.

Em Inhotim  fica mais explícito que em outros cantos que em arte, contemporânea principalmente,  a construção de sentido é mais pessoal, individual, que nunca. É a experiência e o processo de percepção do visitante.

Inhotim estabelece conversa íntima com nossa sensibilidade.  Passando por ali, quebramos paradigmas acerca das possibilidades de muitas obras, a priori impensadas na forma artística. Uma visita indescritível, literalmente.

domingo, 19 de agosto de 2012

espetáculo visual



“No princípio era o contrato”, mas permanecerei, eu, aqui, com o verbo para contar desta lenda feita filme.

Nesta paródia do Evangelho está Fausto, em uma releitura de João, afinado com suas (in)certezas e permanentes inquietações.

 E além de ‘sofisticado’ verbo; na linguagem figurada, metafórica, ilustrada que nos traz o filme; além disso, já no princípio fala alto a direção de arte.

Eloqüente já às primeiras cenas, com uma ‘abertura’ de encher os olhos,o filme traz  um ‘verniz artístico’ que se faz notar no detalhe, reconstruindo tempos e movimentos da obra de Goethe, à sua época.

Começamos com um passeio da câmera pelos céus até alcançar a residência em que o personagem título disseca cadáveres em sua incansável busca pela alma humana. Personagem que, em sua ambição megalomaníaca de abarcar todo o conhecimento possível, almeja nada menos que a totalidade e vive, assim, em agonia, descontentamento com a realidade que o cerca.

É um espetáculo visual que nos conduz por esta lenda secular, livremente baseada no poema épico de Goethe. Em diálogos e falas ontologicamente recheados, o cineasta russo Alexandr Sokurov, recria em Fausto (Faust, 2011) o famoso pacto, assinado com sangue, entre o intelectual insatisfeito e o demônio.

Insatisfeito com os resultados de sua aplicação aos estudos da filosofia, da medicina e da alquimia, limitados por sua condição humana, faminto e sem qualquer dinheiro por conta dos parcos retornos financeiros desta busca por conhecimento, o intelectual acaba por recorrer à ajuda de um agiota, a versão de Sokurov para o diabo Mefistófeles, uma figura repulsiva mas sedutora. E pelo processo de sedução por ele engendrado, Fausto troca sua alma pela compreensão dos mistérios do universo.

Não é um filme fácil, com sua carga existencialista, temas ontológicos, seus longos diálogos em alemão e sua mistura de sonho e realidade Mas sua riqueza visual compõe narrativa cinematográfica de rara beleza, forte leitura artística do mito universal de Goethe, da ambição fáustica do homem de dominar a natureza, de possuir e modificar as coisas a seu redor.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

corpos presentes, still being

Os corpos de Gormley estão por toda parte.

Saí de casa cheia de boas referências de sua exposição, lidas e ouvidas.  Já à porta do CCBB é o próprio, em um dos seus, quem me dá as boas vindas. Alguns passos adiante, já no hall do dito espaço cultural, ele se multiplica e se torna uma população. São cerca de 60 esculturas, corpos suspensos, sustentadas por cabo de aço ou espalhadas’ por todo o espaço em posições variadas. E o molde de cada uma das figuras é o corpo do próprio Gormley.

O britânico  Antony Gormley, 61,  escultor, grande artista em atividade, tem sua primeira individual no Brasil. Corpos Presentes –Still Being é, literalmente, uma grande atração: as obras de Gormley ocupam os três andares e o subsolo do Centro Cultural Banco do Brasil. Corpos presentes flerta com a arte urbana e inquieta os passantes. Ou conduz seu olhar, no mínimo.

À entrada do CCBB, a instalação Critical Mass nos recebe colocando algumas inquietações: O que é o corpo? Qual o seu alcance? Qual a leitura de suas posições, no tempo e principalmente no espaço. O que os corpos, estes, nos transmitem, provocam em nós?

São 12 distintas posições que, dependendo de sua ‘orientação’ física, traduzimos em
diferentes estados de espírito ou emoções. Cada uma destas posições reflete uma etapa da evolução do homem e cada ângulo, cada dobra nos transmite diferentes sensações.

E para cada uma delas cabe uma contextualização. Instalações que ocupam, assim,
halls ou espaços inteiros, têm forte a questão contextual. Mas é um processo pessoal
porque não há outra questão senão a que o espectador coloca. 

Como ele mesmo afirma: “Só dois assuntos me interessam: corpo e espaço”. Há quase quatro décadas, ele vem examinando as variantes em torno desses dois temas, ou da soma deles: a inserção dos corpos no espaço. Mas não é preciso estar a par destes temas para usufruir de sua arte..

Independente de sua razão de ser, estas figuras todas parecem nos colocar como desafio sua linguagem: ‘decifra-me ou te devoro’. Sim, porque a consistência temática nos traz toda uma linguagem da arte de Gormley. Em outro pedaço de sua arte, outro segmento destas habitadas instalações, ainda mais populoso, logo ali ao lado, encontra-se Amazonian Field com 24 mil pequenas figuras esculpidas à mão, em terracota (e estas não têm molde em Gormley!). Esta obra foi feita para a ECO 92, com a ajuda dos locais e exibida  em Rondônia. São 24 mil elementos silenciosos que nos olham, nos encaram.

Outra obra que nos chama atenção é SUM – agregado de formas cristalinas sólidas,
dispostas no chão, no desenho de um corpo. Um corpo ali perdido (e achado)
fortuitamente. Corpo x espaço.

Merece atenção, a obra Mothers Pride, obra em que o artista recortou um corpo em
um painel de pães de forma.  O corpo é simplesmente o espaço  no pão dando um novo significado para a palavra pão de forma. No pão, a forma do corpo! Por fim, mas não por último, porque a exposição não se encerra nistoS, a instalação que mais merece menção e destaque: Event Horizon.

No centro de São Paulo, vale do Anhangabaú afora,  em uma área que vai, mais
precisamente, da Praça do Patriarca até o Teatro Municipal, 31 esculturas em forma de
homens nus, feitas de ferro e em escala real (nos moldes de Gormley, como outrora) estão solitárias no topo de prédios.  Elas transformam a paisagem urbana de uma maneira discreta e instigante ao mesmo tempo - afinal, as obras, que nos observam, pareceram,  aos  que passavam, como bem atestam boletins do corpo de bombeiros, suicidas nos altos dos prédios.

Instalação que nos eleva o olhar, o campo de atenção. Modifica nosso horizonte ao nos condicionar a um olhar incomum. Nos surpreendemos (re)descobrindo uma cidade, pelo alto. Os corpos que hoje habitam o Anhangabaú faz com que todos façamos sua vontade, Gormley ,e olhemos ao redor.  

E é um outro olhar sobre a cidade de sempre. Um olhar que busca arte e encontra, também, uma arquitetura, uma poluição visual, arte urbana e pedaços outros, e negligenciados, disto
que é também São Paulo e que às vezes nos esquecemos (também de olhar).

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

incompletude


"Uma escultura é uma interrogação, uma questão, uma resposta. Ela não pode ser acabada nem perfeita.”

É possível enxergar esta visão nas esculturas de Alberto Giacometti, autor da frase. Ele é o homem por trás de figuras esguias, longilíneas, alongadas – desenhos e esculturas de troncos estreitos, todos trazendo uma verticalidade expressiva.
  
Ele afirmava que, na tentativa de dar mais volume a uma escultura, sempre acabava falhando e deixando-a ainda mais esquálida. É por aí que percebemos, assimilamos esta sua visão de incompletude. Inacabado, é como sempre considerou tudo.
  
Em exposição de sua obra, na Pinacoteca do Estado, conseguimos vislumbrar sua arte como esta permanente busca. Esta sua ideia da arte sempre inacabada, a princípio perceptível em sua obra, quem nos conta é Jean Paul Sartre, amigo e influência. Ele representava não o ser ou o objeto, mas nossa percepção à distância; uma (nossa) deformação derivada da sensação de olhar o objeto. Assim, ele esculpe o homem como o vemos, à distância, uma revolução na história e na arte da escultura.
  
Em vários textos parede afora, intercalando as obras ali exposta, Sartre nos conta daquela arte, ilustrando a ligação dos dois.

É um panorama bastante completo, ocupando todo o primeiro andar da Pinacoteca, com salas expositivas que se articulam em torno das obras. São pinturas, esculturas, desenhos e gravuras. Mas, apesar da ‘ampla’ produção ali exposta, foram as esculturas que trouxeram prestígio a seu nome e são elas, também, a parte mais representativa de tudo que se vê nesta exposição.

Suas esculturas são peças em bronze e gesso, em um modo original de representar o corpo humano. No octógono, salão central do museu paulista, L’Homme qui Marche, sua mais célebre versão de suas conhecidas figuras esquálidas em bronze,  dá  forte  impressão de movimento. É uma escultura viva, porque caminhando.

Ele nos passa sua impressão de que a vida está nos olhos. Reflexo de suas divagações com a questão do olhar são as anatomias pouco usuais de suas criações, algo distorcidas.

Aí figuram também os retratos, pintados ou esculpidos, o que, para ele, é a representação do outro emoldurado. Literal e iconicamente. São retratos de ‘todos os homens’, rostos quase anônimos,  abertos à significação do espectador porque jamais apreendidos em sua integralidade. São, também, desenhos de escultor: dotados de profundidade e ângulos.

Suas figuras tornam-se uma linguagem, uma identidade, aberta à leitura pessoal de cada espectador. Porque a vida está nos olhos.
 

sábado, 4 de agosto de 2012

o chão de Lenine



A composição cenográfica do palco: três lâmpadas incandescentes  e o CHÃO.  E o minimalismo da cenografia refletia, também, na  formação musical que o acompanhava.

Era Lenine apresentando seu novo álbum, CHÃO, no SESC Pompéia, acompanhado de dois músicos. Eram somente eles,  sintetizadores, mesa de som , banjo  e bandolim elétricos, um iMac.  E pausas. 

Nenhuma das  canções de ‘Chão’ trazia bateria. As melodias eram  todas construídas de outra maneira. Com ruídos e distorções que marcavam,  pontuavam produção tão lírica e poética e entoavam a diferença mostrando os novos caminhos  sonoros de seu trabalho. Lenine,  inquieto,  dá corpo eletrônico  à sua  poesia e uma sampleada em seu lirismo.  Deliciosa equação.

Barulho de passos, uma máquina de lavar centrifugando, batidas de coração, cigarras ao fim da tarde, uma máquina de escrever  e outros ruídos, ora concretos, ora puramente eletrônicos  formavam uma sonoridade muito particular e instigante. Sons do cotidiano traziam intimidade ao trabalho.

“Eu estava ainda no primeiro lote de canções do disco, quando fui gravar uma guia no estúdio. Quando fui ouvir, a gente se surpreendeu com uma gravação que captou o canto de Frederico 6, o canário belga da avó de Bruno, isto é, minha sogra. Então, decidimos assumir isso. E assim foi o resto de todo o trabalho. Compus em cima de áudios.” , conta Lenine, traduzindo as inserções ‘concretas de seu álbum.

O teu chão me tirou do meu, Lenine. Sofisticado, poético e contemporâneo. Teu lugar hoje na cena musical brasileira é, notoriamente, na prateleira de cima.